Abertura Trágica, op. 81

Johannes Brahms

(1880)

Instrumentação: piccolo, 2 flautas, 2 oboés, 2 clarinetes, 2 fagotes, 4 trompas 2 trompetes, 3 trombones, tuba, tímpanos, cordas.

 

Ao examinar a lista de composições de Brahms, um fato curioso salta aos olhos: sua predileção por compor pares de obras do mesmo gênero. Ele não apenas possui duas serenatas para orquestra (opp. 11 e 16), dois concertos para piano (opp. 15 e 83), duas sonatas para violoncelo (opp. 38 e 99), duas sonatas para clarineta (op. 120, nos 1 e 2), dois quintetos de cordas (opp. 88 e 111) e dois sextetos de cordas (opp. 18 e 36), como outras tantas obras foram compostas em pares, tais como as Sinfonias nº 1 e nº 2 (1876 e 1877), as Sinfonias nº 3 e nº 4 (1883 e 1885), as Sonatas para violino nº 2 e nº 3 (1886 e 1888), os dois Quartetos de cordas op. 51 (1873) e os Quartetos para piano nº 1 e nº 2 (1861). Ainda mais curioso é o fato de que estes pares geralmente se caracterizam por obras com humor contrastante: enquanto uma é impetuosa, exuberante e cheia de vida, sua congênere costuma ser misteriosa, introspectiva, e até mesmo melancólica.

 

A Abertura Trágica (op. 81) possui também seu par: a Abertura Festival Acadêmico (op. 80), escrita em agradecimento ao título de Doutor Honoris Causa pela Faculdade de Filosofia da Universidade da Breslávia, em que o autor tratou com certa grandiloquência leves canções estudantis. De caráter diametralmente oposto é a Abertura Trágica, obra intensa, dramática e, em alguns momentos, cheia de melancolia.

 

A indicação de andamento no início da partitura apresenta o caráter da obra: Allegro ma non troppo (em oposição ao Allegro da Abertura Festival Acadêmico). Quando examinadas de perto, percebemos que as indicações de andamento dizem muito mais do que meras formalidades de velocidade de execução. Ao contrário do usualmente aceito, Allegro não significa apenas que uma obra deva ser executada em alta velocidade, mas que ela deva portar o caráter “alegre” em sua interpretação. Em peças de puro exercício mecânico, onde a velocidade da execução é mais importante que o caráter, Brahms inverte os termos e escreve Non troppo allegro (como nos nos 25a e 31a de seus 51 Exercícios para piano, WoO 6), querendo dizer “não tão rápido”. Portanto, Allegro ma non troppo, muito mais do que significar “rápido, mas não tanto”, significaria “alegre, mas não tanto”, um meio termo entre o “alegre” e o “não alegre”.

 

Executada pela primeira vez em Viena, no dia 26 de dezembro de 1880, a Abertura Trágica possui dois temas. O primeiro, extremamente longo e variado, surge no início da obra, com os dois ataques em fortissimo da orquestra seguidos pela melodia das cordas. Após uma longa e misteriosa transição temos o segundo tema, uma intensa melodia apresentada pelos violinos e respondida pelos sopros. Os dois ataques em fortissimo surgem novamente, dando início a uma longa seção onde todo o material será retrabalhado. Finalmente, quando esperamos o ressurgimento dos dois temas, eis que ouvimos apenas fragmentos do primeiro e somos surpreendidos pela súbita aparição do segundo. A longa e dramática coda nos reserva um final surpreendente.

 

Guilherme Nascimento
Compositor, Doutor em Música pela Unicamp, professor na Escola de Música da UEMG, autor dos livros Os sapatos floridos não voam e Música menor.

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