West Side Story: Danças Sinfônicas

Leonard Bernstein

(1957)

Instrumentação: Piccolo, 2 flautas, 2 oboés, corne inglês, requinta, 2 clarinetes, clarone, saxofone alto, 2 fagotes, contrafagote, 4 trompas, 3 trompetes, 3 trombones, tuba, tímpanos, percussão, harpa, piano, celesta, cordas.

 

As artes das três Américas viram soprar, na aurora do século XX, um vento de liberdade. Nesse momento de afirmações nacionais no Novo Mundo, e de profundas transformações políticas e sociais pelas quais passavam as sociedades milenares da Europa, um afrouxamento nos grilhões culturais que uniam os dois lados do Atlântico abre espaço para atitudes artísticas que, sem negar o modelo e a tradição europeia, permitiram (e até exigiram) novas maneiras de expressão que não se limitavam mais à reprodução dos padrões importados do Velho Mundo. Disso surge o que alguns descrevem – não sem certo juízo de valor – como sendo uma arte “estrábica”, com um olho voltado para o grande modelo da tradição europeia e o outro voltado para a sua própria realidade, gerando uma resultante até então completamente original. Estrábica ou não, trata-se de uma arte miscigenada (ou, antes, mestiça), capaz de incorporar e adotar o que lhe seja mais conveniente das fontes da Tradição e do modelo europeu, associando-o tanto a elementos autóctones quanto a elementos já completamente incorporados ao grande e intrincado complexo que forma as culturas dos povos das três Américas, num processo que o Modernismo Brasileiro definiu tão bem, batizando-o de antropofagia.

 

Nessa esteira de liberdade, são legítimos e possíveis os mais diversificados caminhos, tanto para a criação quanto para a expressão artística e musical: o trânsito livre entre o folclore e as formas mais canônicas de composição; a expressão confessada e exacerbada de individualidades criadoras; a ruptura total com a Tradição ou, paradoxalmente, seu resgate; o apelo à cultura de massas ou a veículos mais “comerciais” de comunicação. Talvez seja à luz dessa perspectiva que se possa observar a obra do grande músico norte-americano que foi Leonard Bernstein. Tendo nascido nessa efervescência de liberdade que norteou, em positivo ou em negativo, todo o século XX, Bernstein é capaz de sintetizar seu próprio caminho a partir de trilhas muito distintas: para citarmos dois extremos, de um lado, a trilha aberta por George Gershwin, que transita à vontade entre o jazz, a música sinfônica e a música de cinema e dos espetáculos da Broadway; de outro lado, os atalhos insuspeitos que nomes como o de Charles Ives ajudam a inaugurar e definir, cuja originalidade criadora e cuja liberdade experimental, desvinculadas da carga de responsabilidade de se quererem inauguradoras de uma escola estética, foram marcantes para a música do século XX.

 

Esse judeu norte-americano nascido no estado de Massachusetts, mas nova-iorquino de coração, dotado de fina instrução musical e humanista, estudante na Universidade de Harvard, aluno de Fritz Reiner e, mais tarde, assistente de Serge Koussevitsky, pianista excelente, aclamado unanimemente por todo o mundo como regente, fez de sua arte e de sua vida uma atitude política: a de assumir e de abraçar sem reservas a liberdade, como homem, como cidadão, como musicista e como compositor. É, portanto, desta forma que se deve observar sua obra: sem a interferência dos pré-conceitos que ela mesma combateu, caminho sintético de trilhas possíveis que as próprias tendências musicais do século XX ajudaram a desbravar. Talvez se possam notar duas grandes tendências em sua obra original: de um lado, o trânsito fácil entre os meios de comunicação de massa, o teatro, o cinema e a música popular, sobretudo o jazz, numa linha semelhante àquela inaugurada pelo próprio Gershwin; de outro lado, a experimentação, muitas vezes focada não exatamente na proposição de novos modelos, mas na releitura de grandes modelos já estabelecidos.

 

Pertence à primeira grande tendência, porém, o musical West Side Story.  A composição foi estreada em 1957 e até hoje muitas de suas canções são de franco conhecimento do público em geral. No entanto, a obra como um todo representa um marco no teatro musical americano, não só pela associação aberta do Jazz ao antigo modelo da Broadway, mas pela adoção de artifícios musicais que são dignos da mais autêntica tradição operística: o uso intrincado de conjuntos vocais, o artifício wagneriano dos leit-motifs, dentre outros recursos. Em West Side Story, a música de dança, mesmo em seu contexto de palco, tem caráter sinfônico. Por isso mesmo, essas danças também ganharam relativa autonomia, constituindo um todo orgânico, contido em si mesmo, ainda que desvinculadas de seu contexto original da ação de palco.

 

Moacyr Laterza Filho
Pianista e cravista, Doutor em Literaturas de Língua Portuguesa, professor da Universidade do Estado de Minas Gerais e da Fundação de Educação Artística.

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