Concerto para clarinete de jazz

Jorge Calandrelli

(1983/1984)

Instrumentação: piccolo, 3 flautas, 2 oboés, 2 clarinetes, clarone, 2 fagotes, 4 trompas, 4 trompetes, 4 trombones, tuba, tímpanos, percussão, piano, harpa, cordas. Trio de jazz: piano, baixo acústico e bateria.

 

Do embate estético entre a alta e a baixa cultura nos séculos XX e XXI, surge a dicotomia música erudita/popular como fenômeno mais característico. Termos foram criados para classificar gostos e estilos, como highbrow e lowbrow, usados para definir o que pertence à alta ou à baixa cultura, respectivamente. Restrito ao universo musical, cunhou-se o termo crossover para designar a fusão de estilos e gêneros musicais – independentemente do local ou época de sua origem –, associado geralmente à música pop executada por intérpretes da música erudita e vice-versa. Renomados músicos, como Yo-Yo Ma, Plácido Domingo e Andrea Bocelli fazem parte desse crescente segmento. O sucesso desses artistas, e de centenas de outros por todo o mundo, deve-se em grande parte a figuras menos conhecidas, como a do compositor argentino Jorge Calandrelli. Desde 1978, quando se fixou nos Estados Unidos, o “maestro Calandrelli” – como é chamado pelas divas e primiuomini – vem se destacando como um dos arranjadores mais prolíficos da atualidade. É um artista crossover por excelência, com versatilidade inigualável para a música erudita, pop, jazz, latina e suas vertentes.

 

Seu Concerto para clarinete de jazz foi escrito em Nova York, durante o inverno de 1984. Nele, os timbres dos clarinetes de Artie Shaw e Benny Goodman misturam-se ao estilo do jazz orquestral de George Gershwin e de Leonard Bernstein. A música clássica é representada por inflexões rítmicas ao estilo de Béla Bartók e Igor Stravinsky e sofisticadas harmonias de Francis Poulenc. A sobreposição estilística é evidente na seção central do primeiro movimento, onde o improviso jazzístico do clarinete é pontilhado por acordes orquestrais reminiscentes de A sagração da primavera, de Stravinsky. A improvisação também desempenha um papel importante no último movimento, um cintilante Presto, no qual toda a orquestra improvisa sobre notas-padrão. A passagem é curta e o efeito é caótico e bem-humorado: o compositor também utiliza ruídos, como o bater das unhas no corpo dos instrumentos e cordas tocadas com o arco acima do cavalete. O Concerto foi encomendado pelo compositor Jack Elliot e pela Foundation for New American Music para ser especialmente executado pelo clarinetista de jazz Eddie Daniels, que estreou a obra em março de 1985. Existe também versão para solista e conjunto de sopros.

 

Jorge Calandrelli está inserido na indústria do entretenimento pop como um sólido artista. Seu trabalho junto a nomes como Madonna, Elton John e Julio Iglesias pode até afugentar os intelectualizados ouvintes highbrow, mas, longe de se preocupar com efeitos culturais de massa, em que o valor estético é medido por unidades vendidas, Calandrelli navega habilmente por vários nichos de mercado. Com 27 indicações e seis prêmios Grammy, tornou-se personagem de um novo paradigma, de um mundo cultural aberto e de infinitos acessos, sem discursos herméticos e sem divisões culturais, qualificado por um jornalista americano com uma nova expressão: nobrow.

 

Marcelo Corrêa
Pianista, Mestre em Piano pela Universidade Federal de Minas Gerais, professor na Universidade do Estado de Minas Gerais.

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