Concerto para piano nº 1 em ré menor, op. 15

Johannes Brahms

(1858)

Instrumentação: 2 flautas, 2 oboés, 2 clarinetes, 2 fagotes, 4 trompas, 2 trompetes, tímpanos, cordas.

 

“No momento, faço uma cópia definitiva do primeiro movimento do Concerto. Estou também pintando um terno retrato teu, que será o Adagio”. Com tais palavras Johannes Brahms se dirige a Clara Schumann, em uma carta datada de dezembro de 1856. O concerto a que ele se refere é exatamente o Concerto para piano em ré menor, op. 15, que foi estreado em janeiro de 1859, primeiro em Hannover e, cinco dias depois, em Leipzig, tendo o compositor como solista.

 

É muito comum, por indícios como esse, se fazerem dois tipos de associação: em primeiro lugar, a tentativa recorrente de explicar a gênese de determinadas obras do Período Romântico a partir de fatos biográficos dos compositores. Disso advêm pré-conceitos, infelizmente já assimilados pelo senso comum, que se traduzem em expressões como “a melancolia de Chopin”, “a impetuosidade de Liszt” ou “o arrebatamento apaixonado de Schumann”. É certo que não se podem desvincular determinados traços biográficos das linguagens particulares de cada um desses compositores, como também é fato que esses traços não bastam para sustentar, com a devida coerência, a importância que o Romantismo teve na História da Música e das Artes. Em segundo lugar, por extensão, é comum associarem-se certas particularidades da linguagem de Brahms a um suposto amor platônico que ele nutria pela esposa de Robert Schumann. Nessa associação, é frequente enxergar-se muito da obra de Brahms (especialmente a obra para piano) como a sublimação de um amor não consumado. A hipótese é provável, verossímil e possível, mas insuficiente para dar conta da solidez da linguagem desse compositor, cuja obra foi determinante para as gerações que o sucederam, talvez bem mais que ícones como Schumann, Chopin ou Mendelssohn.

 

Por outro lado, é real a forte ligação de amizade que uniu Brahms ao casal Schumann, desde que ele o conheceu, aos vinte e dois anos de idade. Robert Schumann acolheu o jovem compositor – e a sua música – com entusiasmo, e graças a isso Brahms pôde publicar algumas de suas obras. A amizade que desde então se estabeleceu foi, da parte de Brahms, profunda e devotada, por toda a sua vida. Quando, portanto, em 1854 Schumann tentou o suicídio, esse acontecimento não deve ter sido nada ameno para o então relativamente jovem Brahms.

 

Não nos importa, porém, se foi tal fato que desencadeou uma onda criativa na mente do compositor. Importa-nos tão-somente que, a partir de então, há notícia do início da laboriosa composição de uma sonata para dois pianos. Brahms, porém, cedo descobriu que o teclado, só, não seria suficientemente expressivo para a dramaticidade com que concebia a obra. Cogitou, assim, transformar a sonata em sua primeira sinfonia. No entanto, não se sentindo ainda maduro o suficiente para dedicar-se a esse gênero icônico da música orquestral (de fato, sua primeira sinfonia data de 1876, ou seja, quase vinte anos depois), e talvez com receio de ser medido pelo exemplo de Beethoven, Brahms parece ter fundido ambas as ideias e encontrado, no concerto para piano e orquestra, além de um gênero mais abordável, um caminho possível que contemplasse, de certo modo, ambas as alternativas.

 

É precisamente esse caminho que torna o Concerto op. 15 uma obra tão singular. E talvez tenha sido exatamente tal singularidade que lhe valeu uma acolhida tão glacial quando de sua estreia. A virtuosidade convencional do solista, como esperada em um concerto para piano, não aparece nesse Concerto. Não há sequer a cadência, como concebida aos moldes do concerto clássico, em que habitualmente o solista costuma mostrar-se como músico e instrumentista distinto da massa orquestral (procedimento abraçado pelo Romantismo, talvez como forma de representar, simbolicamente, no plano da estrutura musical, o próprio mito do gênio romântico).

 

Embora a estrutura do Concerto em ré menor tenha seus moldes no Classicismo (como é habitual na obra de Brahms) – o primeiro movimento em forma sonata, o segundo, na forma tripartida do Lied e o terceiro constituindo um rondó –, o autor inova, aqui, em uma de suas raras transgressões às formas e procedimentos clássicos, trazendo o piano e o contexto orquestral para planos igualmente importantes e significativos. O Concerto op. 15 não é, portanto, uma obra em que se colocam em relevo os dotes particulares do solista. A dificuldade de determinadas passagens (que exigem real bravura do solista) não tem em absoluto esse propósito, mas tão-somente representa o caminho encontrado pelo compositor para o desenvolvimento de suas ideias musicais e do material temático. Nisso se pode notar, mais do que a inicial concepção sinfônica da obra, uma alternativa inovadora (e ainda hoje atual) para um procedimento que constituiu uma das expressões mais importantes no seio do Classicismo, e que o Romantismo, no gênio criador de Brahms, logrou expandir sem, no entanto, negar ou destruir. Integrando o piano à textura orquestral, Brahms antecipou-se ao seu tempo.

 

Moacyr Laterza Filho
Pianista e cravista, Doutor em Literaturas de Língua Portuguesa, professor da UFMG e da Fundação de Educação Artística

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