Concerto para piano em fá sustenido menor, op. 20

Alexander Scriabin

(1896)

Instrumentação: piccolo, 2 flautas, 2 oboés, 2 clarinetes, 2 fagotes, 4 trompas, 2 trompetes, 3 trombones, tímpanos, cordas.

 

“(…) Eis que, no fim do século XIX, a multiplicação das alterações cromáticas, a emancipação da dissonância e a audácia das modulações conduzem à dissolução das funções em que repousa o sistema [tonal]. (…) Nos primeiros anos do século XX, todos os compositores confrontam-se com os problemas colocados por essa dissolução. (…) A maneira pela qual percebem a crise e organizam o universo da escala cromática determina as grandes orientações da música do século XX. Essas orientações são definidas, antes da Primeira Guerra Mundial, pela obra de quatro grandes músicos: Debussy, Ravel, Schoenberg e Stravinsky. (…) Alguns raros músicos, por seu não conformismo e pela originalidade de suas concepções estéticas, vão situar-se à margem das correntes históricas ou além delas. É o caso de Scriabin, Ives ou Varèse.”

 

É assim, precisa e sucintamente, que Roland de Candé situa o não-lugar de Scriabin no contexto das grandes correntes musicais do século XX. Esse músico estranho, encarnado em uma pessoa excêntrica, de forte tendência narcisista, percorreu sozinho um caminho que tem como modelo e ponto de partida a estética de Chopin, a começar pelos gêneros que escolhe: estudos, mazurcas, noturnos e prelúdios para piano.

 

No entanto, a evolução de sua obra demonstra um percurso reto em direção a um sistema nitidamente atonal, de compleição própria, ideologicamente fundamentado em um curioso misticismo por ele elaborado: sua aproximação com a Teosofia, a sinestesia que desenvolveu, relacionando sons a cores, e uma espécie de erotismo (que preferia chamar de êxtase) que relacionava tanto aos jogos de tensão e distensão da música, quanto à própria existência humana, tudo isso o leva a reelaborar completamente seus modelos iniciais e a engendrar uma linguagem musical visionária, cujas iniciativas antecipam muitas investidas da “nova música”. É de novo Candé que nos revela quais são elas: “espírito de síntese, natureza essencialmente harmônica do sistema modal, substituição da temática tradicional por séries de ‘blocos sonoros’ harmônicos e rítmicos, substituição da tônica por uma série de eixos tonais escalonados por terças menores (o acorde de sétima diminuta torna-se uma espécie de eixo tonal), rítmica vital não sujeita ao compasso”.

 

O Concerto para piano e orquestra, porém, pertence à primeira fase do compositor, ainda ligada à estética e linguagem chopinianas. É sua única obra do gênero e causou ao mesmo tempo admiração em poucos e repulsa a muitos: Prokofiev recusou-se a tocá-lo! Essa obra pode evocar a alguns a linguagem de Rachmaninov, mas é plena de originalidade. Embora ainda se atenha à linguagem e padrões de um romantismo tardio, já revela essa capacidade de síntese a que se referia Candé… E um je ne sais quoi que revela uma raiz nitidamente russa.

 

Scriabin compôs seu concerto para piano aos vinte e quatro anos, em poucos dias, no outono de 1896. Completou sua orquestração, porém, em maio de 1897. Foi estreado em outubro de 1897, em Moscou, tendo o compositor como solista, e a primeira publicação deu-se no ano seguinte.

 

Moacyr Laterza Filho
Pianista e cravista, Doutor em Literaturas de Língua Portuguesa, professor da Universidade do Estado de Minas Gerais e da Fundação de Educação Artística.

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