Concerto para piano em Ré bemol maior, op. 38

Aram Khatchaturian

(1936)

Orquestração: Piccolo, 2 flautas, 2 oboés, 2 clarinetes, clarone, 2 fagotes, 4 trompas, 2 trompetes, 3 trombones, tuba, tímpanos, percussão, cordas.

 

Em sua grande janela, frente à densa floresta dos arredores de Moscou, Khatchaturian encontrou inspiração para compor seu exuberante Concerto para piano: “trabalhei rapidamente, facilmente, minha imaginação parecia voar”, rememorou o compositor. Ele colhia os louros de um brilhante curso de composição realizado no Conservatório de Moscou e rejubilava-se do recente enlace com a pianista e compositora Nina Makarova, que fora sua colega na classe de Nikolai Miaskovsky.

 

O Concerto para piano, primeira obra concertante de Khatchaturian e também seu primeiro sucesso mundial, inaugurou o conjunto de três concertos que seriam dedicados aos membros do legendário Trio Oistrakh: o violinista David Oistrakh, o celista Sviatoslav Knushevitsky e o pianista Lev Oborin – famoso por vencer o Primeiro Concurso Chopin, em 1927. Oborin estreou a obra a ele dedicada em julho de 1937, num concerto a céu aberto, acompanhado pela Filarmônica de Moscou. Ao que tudo indica, a estreia não foi bem-sucedida, pois os óculos do maestro Lev Steinberg caíram durante a performance, atrapalhando a regência. Seu Concerto para piano é considerado mais uma obra étnica do que propriamente nacionalista, por conter uso extensivo do folclore armênio. Com ele, Khatchaturian inseriu a escola de composição de seu país no cenário internacional.

 

Como todo artista que vivenciou a opressora era stalinista, Khatchaturian foi obrigado a fazer “arte a serviço do povo soviético”, rejeitando as influências da música contemporânea ocidental. O resultado de tal restrição, entretanto, pode ser considerado como positivo em sua arte, pois foi levado a transformar canções folclóricas armênias – que ele mesmo recolhera – em temas para suas obras.

 

O exotismo da música armênia é percebido no tema de abertura do Concerto para piano, apresentado pelo piano após uma pequena introdução da orquestra. Tal tema, irregular quanto à distribuição métrica dos compassos e dissonante, devido às harmonizações politonais, é, ao mesmo tempo, claro e robusto. É facilmente reconhecível em suas reaparições, notadamente no terceiro movimento, como desfecho da obra. No movimento central, um canto folclórico é entoado num instrumento raramente utilizado em obras orquestrais: o flexatone, que emite sons percussivos e melódicos simultaneamente, de acordo com as vibrações realizadas pelo intérprete e a curvatura da lâmina de metal. O flexatone sons flexíveis, por assim dizer – pode ser substituído pelo serrote musical vibrado por um arco de violoncelo. O resultado é exótico, hipnótico e sedutor.

 

Em 1942, após a estreia do Concerto para piano em Boston pelo célebre pianista norte-americano William Kapell, regido por Serge Koussevitsky frente à Sinfônica de Boston, Khatchaturian recebeu em Moscou uma significativa mensagem de felicitações pelo sucesso da obra. Entre 1942 e 1943, Kapell executou o Concerto mais de quarenta vezes, fazendo dessa obra um autêntico monumento diplomático entre Rússia e Estados Unidos. Segundo Dmitri Shostakovich, Khatchaturian foi “o primeiro dos compositores a ter convincentemente trazido à luz os mais variados métodos de orquestração sinfônica da música do Oriente Soviético para expressar fortes emoções dramáticas, sentimentos patrióticos e profundos”.

 

Marcelo Corrêa
Pianista, Mestre em Piano pela Universidade Federal de Minas Gerais, professor na Universidade do Estado de Minas Gerais.

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