Concerto para piano nº 1, op. 28

Alberto GINASTERA

(1961)

Instrumentação: Piccolo, 2 flautas, 2 oboés, corne inglês, requinta, 2 clarinetes, clarone, 2 fagotes, contrafagote, 4 trompas, 3 trompetes, 3 trombones, tuba, tímpanos, percussão, celesta, harpa, cordas.

 

Quem espera ouvir no Concerto para piano nº 1 do compositor argentino Alberto Ginastera uma obra típica do gênero piano e orquestra surpreende-se. Ainda que a primeira aparição do solista, em vigorosa cascata de oitavas, remeta às marcantes introduções dos concertos de Schumann, Grieg e Rachmaninov, quaisquer analogias com outras obras do gênero se encerram por aí. Na obra de Ginastera, a soma das notas dos três acordes orquestrais que prenunciam o piano dão os doze tons da série dodecafônica: base estrutural das dez microvariações que formarão o primeiro movimento. Tal complexidade, no entanto, não intervém negativamente na força comunicativa da obra. Para delimitar onde se encerra o tema e iniciam-se as variações, basta perceber o primeiro solo do piano, lento e dolcissimo: a primeira variação. Na coda, os elementos temáticos iniciais ressurgem mais agressivamente, concluindo o movimento. Os três movimentos seguintes são uma ampliação da Sonata para piano nº 1 de Ginastera, escrita quase dez anos antes, uma das obras mestras do repertório moderno latino-americano.

 

O segundo movimento, sugestivamente batizado Scherzo allucinante, é delicado e fantasmagórico. O universo irreal prossegue no terceiro movimento, Adagissimo, iniciado por solo de viola. A melodia do piano, flexível, pontilhada em grandes intervalos, dá lugar a uma inusitada citação: um pasticho do movimento lento do Quarto Concerto para Piano de Beethoven.

 

O quarto movimento, uma tocata em forma rondó, remete às obras para piano iniciais de Ginastera, nas quais misturava ritmos gaúchos argentinos e melodias folclóricas, com clara influência de Bartók e Stravinsky. O movimento é baseado no malambo, dança típica dos pampas argentinos em que um homem sapateia sob o rasguear do violão. Prova da conexão da música de Ginastera com sua contemporaneidade foi a versão dessa tocata pela banda de rock progressivo britânica Emerson, Lake & Palmer, realizada em 1973 com aprovação do próprio compositor: “nunca ninguém tinha sido capaz de capturar a minha música dessa forma. Assim é como eu imaginei”. Ginastera acreditava que o artista cria o belo quando é transfigurado através do impulso da criação e compartilha em seu trabalho elementos pessoais e elementos da humanidade. Só assim a arte torna-se translúcida e clara: “torna-se universal”.

 

O Concerto para piano nº 1 não é a primeira obra para piano e orquestra do compositor: aos dezenove anos ele compôs o Concierto Argentino para Piano e Orquestra, que ainda permanece desconhecido. Comissionado pela Fundação Koussevitzky, o Concerto para piano nº 1 foi estreado a 22 de abril de 1961, durante o 2º Festival Interamericano de Música de Washington. A execução ficou a cargo do pianista brasileiro João Carlos Martins e da Orquestra Sinfônica Nacional de Washington, sob a regência de Howard Mitchell. Na semana seguinte, o Festival acolheu a estreia da Cantata para América Mágica de Ginastera, outro estrondoso sucesso que impulsionou a fama do brilhante compositor argentino na cena internacional.

 

Marcelo Corrêa
Pianista, Mestre em Piano pela Universidade Federal de Minas Gerais, professor na Universidade do Estado de Minas Gerais.

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