Concerto para piano nº 2 em Fá maior, op. 102

Dmitri SHOSTAKOVICH

(1957)

Instrumentação: piccolo, 2 flautas, 2 oboés, 2 clarinetes, 2 fagotes, 4 trompas, tímpanos, percussão, cordas.

 

Para sua primeira filha, Galina, Shostakovich costumava compor pequenas peças para piano. Seis delas foram agrupadas na suíte Caderno Infantil (op. 69). Uma sétima peça, Aniversário, escrita em 1945, quando Galina completou nove anos de idade, foi mais tarde incluída na mesma coleção. Seu segundo filho, Maxim, também mostrara desde cedo um talento musical excepcional; quando Galina abandonou a música para estudar biologia, seus esforços se concentraram em Maxim. Shostakovich acompanhou sempre, de perto, a formação musical dos filhos, e hoje encontramos seus nomes em gravações e programas de concertos. Quando Maxim encontrava-se no último ano de estudos na Escola de Música Central, Shostakovich escreveu o Concerto para piano nº 2, para que o filho o utilizasse como uma espécie de cartão de visitas para a admissão no Conservatório de Moscou. O Concerto ficou pronto em 5 de fevereiro, e Maxim pode estreá-lo no dia de seu 19º aniversário, em 10 de maio de 1957, no Conservatório, acompanhado pela Orquestra Sinfônica da URSS, sob a regência de Nikolai Anosov. Escrito sem muita pretensão, Shostakovich não podia prever que o Concerto para piano nº 2 acabaria se tornando um sucesso mundo afora.

 

O que mais chama a atenção não é apenas a leveza do Concerto, mas o fato de Shostakovich ter conseguido imprimir esse caráter em um momento tão conturbado de sua vida. Na primavera de 1956 ele havia iniciado uma estafante turnê de concertos que duraria até a primavera de 1958: “Estou empreendendo uma grande turnê de concertos. Em cada cidade dou dois concertos com o mesmo programa. Infelizmente, não tenho tempo para passear. Os ensaios e os concertos consomem toda a minha energia”.

 

O início da turnê foi marcado por seu casamento com Margarida Kainova, uma líder entusiasta da Liga Comunista Leninista da Juventude (Komsomol). Kainova não compartilhava dos interesses de Shostakovich e era inadequada para conviver com seus filhos. O casamento foi infeliz e durou apenas até o verão de 1959. Não bastasse o tumulto em sua vida privada, Shostakovich recebera uma encomenda do governo soviético para as celebrações dos quarenta anos da revolução de 1917. Essa encomenda o preocupava e tomava-lhe todo o tempo: viria a ser a Sinfonia nº 11, obra dramática retratando o massacre dos inocentes em frente ao Palácio de Inverno do Czar, em 1905.

 

Em meio a tanto desassossego, Shostakovich pôde ainda compor uma obra despretensiosa que, ao evitar o excesso de virtuosismo típico do gênero, busca apresentar de forma sensível e original os talentos de um jovem pianista de dezenove anos, especialmente numa íntima relação entre solista e orquestra. O Concerto para piano nº 2 é construído em três movimentos. O primeiro (Allegro), extremamente alegre, apresenta os temas transitando livremente entre o pianista e a orquestra. A suavidade do segundo movimento (Andante), com sua atmosfera de terna melancolia, contrasta com o ímpeto e a vivacidade do terceiro (Allegro).

 

Guilherme Nascimento
Compositor, Doutor em Música pela Unicamp, professor na Escola de Música da UEMG, autor dos livros Os sapatos floridos não voam e Música menor.

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