Concerto para violino em ré menor

Robert SCHUMANN

O ano de 1853 registra as últimas obras de Schumann, quando o compositor desenvolveu uma atividade criativa intensa, antes que seu desequilíbrio mental entrasse numa fase definitiva e irreversível. Em maio desse ano, Schumann e sua mulher – a célebre pianista Clara Wieck – entusiasmaram-se com a interpretação por Joseph Joachim do Concerto para violino op. 61 de Beethoven. Motivado, Schumann iniciou a composição da Fantasia op. 131 e do Concerto em ré menor, terminado em setembro, dedicando as duas obras ao violinista. Joachim logo incorporou a virtuosística Fantasia a seu repertório, mas considerou o concerto pouco idiomático para o violino, apresentando passagens “terríveis para o instrumento”. Nesse mesmo ano, Schumann publicou, no dia 23 de outubro, seu último artigo musical, intitulado “Novos caminhos”, tecendo elogios incondicionais ao jovem amigo de Joachim, o compositor Brahms.

 

Em janeiro de 1854, na cidade de Hannover, Joachim e Brahms dedicaram a Schumann um festival, mas o concerto para violino não foi incluído no programa e seu compositor nunca realizou o desejo de ouvi-lo executado pelo amigo. Nos últimos dias de fevereiro, atormentado por alucinações e delírios, Schumann atirou-se ao Reno, numa frustrada tentativa de suicídio. Salvo por alguns pescadores, foi internado em uma clínica em Endenich, onde permaneceu até sua morte, em 1856. Dois anos depois (1858), quando Joachim apresentou o Concerto para violino em uma audição fechada, os três amigos – Brahms, Clara e o próprio violinista – decidiram que a obra não deveria constar na edição completa das composições de Schumann.

 

O concerto só foi publicado em 1937, pelo filho de Joachim, após uma inusitada estória, envolvendo disputas políticas por parte de autoridades nazistas que, desejosas de um concerto romântico “genuinamente ariano”, acusaram Joachim de ocultar deliberadamente a obra de Schumann para, assim, favorecer a popularidade do concerto de Mendelssohn. Após encomendadas revisões de Paul Hindemith e Fritz Kreisler, as primeiras audições do concerto de Schumann ocorreram em Berlim, com Georg Kulenkampff; em Londres, com Jelly d’ Aranyi; e, em Nova York, com Menuhin. Desde então, a crítica oscila na apreciação e nos comentários sobre a obra. Embora as composições para piano e voz ocupem merecidamente um lugar de destaque na produção shumanniana, sua música orquestral é bastante original e, em muitos aspectos, inovadora. Schumann dedicou-se à orquestra tardiamente, quando já se sentia maduro. Procurando uma voz pessoal, afastou-se tanto dos modelos de Beethoven e Schubert (que conhecia bem e admirava) quanto dos poemas sinfônicos de seus contemporâneos F. Liszt e H. Berlioz. Schumann usa a forma sonata clássica de maneira bastante livre, como no primeiro movimento do Concerto para violino, In kräftigem, nicht zu schnellem Tempo, cuja beleza contrastante dos temas e a presença de ideias secundárias disfarçam a rigidez formal e permitem um desenvolvimento alternativo ao típico jogo bitemático clássico. Os dois últimos movimentos do concerto ligam-se sem interrupção, refletindo a preocupação de Schumann quanto à unidade de suas grandes composições orquestrais. O segundo movimento, Langsam, é uma maravilhosa berceuse, contemplativa reminiscência de um lied da série Liederalbum für die Jugeng, de 1849. Nos últimos compassos desse movimento, o ritmo da canção de ninar progressivamente cede espaço para a polonaise que forma o refrão do terceiro movimento, Lebhaft, doch nicht schnell. Esse refrão alterna-se, por cinco vezes, com as estrofes confiadas ao solista – retorno do violino ao tema da berceuse, marcha em diálogo com as madeiras da orquestra e arabescos caprichosos tornam-se elementos de fantasia que quebram a rigidez da forma rondó. O Concerto para violino de Schumann, aos poucos, impõe-se como uma referência do repertório romântico para o instrumento, conquistando o público e os grandes violinistas.

 

Paulo Sérgio Malheiros dos Santos
Pianista, Doutor em Letras, professor de Música da UEMG, autor do livro Músico, doce músico.

anterior próximo