Episódio Sinfônico

Antônio Francisco BRAGA

(1898)

Instrumentação: piccolo, 2 flautas, 2 oboés, corne inglês, 2 clarinetes, 2 fagotes, 4 trompas, harpa, cordas.

 

“Conheces a terra onde os limoeiros florescem?”, pergunta a bela Mignon, “nesse lugar eu desejaria estar”. A famosa balada da personagem do romance Wilhelm Meister, de Goethe, serviu de texto para mais de setenta canções de compositores como Beethoven, Schubert, Schumann, Liszt e Tchaikovsky. A nostalgia da terra natal, elevada às raias da imaginação pela sonhadora Mignon, inspirou, servindo-lhe de epígrafe para a Canção do Exílio, Gonçalves Dias, poeta máximo da primeira fase do Romantismo literário brasileiro. “Minha terra tem palmeiras, onde canta o sabiá”, verso inicial do poema escrito em Portugal, em 1843, introduz a coletânea Primeiros Cantos. Do terceiro grupo de poemas do livro – Hinos – faz parte o poema O Templo, que inspirou e epigrafou o Episódio Sinfônico, a “canção do exílio” do compositor carioca Francisco Braga.

 

A curta obra sinfônica foi composta em Dresden, Alemanha, no ano de 1898 – o oitavo dos dez anos que o autor do nosso Hino à Bandeira viveu na Europa, sob os auspícios do governo brasileiro. Após ter estudado em Paris, fixar residência em Dresden fora mais do que apropriado, uma vez que Richard Wagner, seu ídolo, lá atuara como diretor do Teatro da Corte. Na magnífica capital saxã, Francisco Braga apreciou novas paisagens e dali se permitiu, como compositor, apesar do isolamento em que vivia, compartilhar – por meio de sua música – essas novas visões.

 

Ao eleger o fragmento de O Templo, ele adentrou o lirismo solene e religioso da poesia de Gonçalves Dias, bem distante das características indianistas e americanas tão frequentes no poeta maranhense. Na solidão e no contato com a natureza o homem funde-se com Deus e brota nele a paz. Escrevendo sobre o Episódio Sinfônico, o crítico Luiz Heitor Corrêa de Azevedo diz: “trata-se de uma poesia repassada de acentos místicos, de religiosidade, que o compositor muito felizmente evocou, na orquestra, sugerindo a grave atmosfera de um templo e a plenitude do órgão quando emprega toda a riqueza de sua registração”.

 

O entendimento da obra se completa com a leitura do fragmento poético escolhido por Francisco Braga: “Só tu, Senhor, só tu, no meu deserto /Escutas minha voz que te suplica; /Só tu nutres minha alma de esperança; /Só tu, oh meu Senhor, em mim derramas /Torrentes de harmonia, que me abrasam. /Qual órgão, que ressoa mavioso, /Quando segura mão lhe oprime as teclas, /Assim minha alma, quando a ti se achega, /Hinos de ardente amor disfere grata: /E, quando mais serena, ainda conserva /Eflúvios deste canto, que me guia /No caminho da vida áspero e duro. /Assim por muito tempo reboando /Vão no recinto do sagrado templo /Sons, que o órgão soltou, que o ouvido escuta”. Nas asas desses versos, Francisco Braga criou um episódio sinfônico de oração íntima e singela. A obra foi apresentada em junho de 1944 pela Orquestra da Sociedade de Concertos Sinfônicos, fundada por Francisco Braga, no Theatro Municipal do Rio de Janeiro, sob a regência do célebre maestro austríaco Erich Kleiber.

 

Marcelo Corrêa
Pianista, Mestre em Piano pela Universidade Federal de Minas Gerais e professor na Universidade do Estado de Minas Gerais.

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