Fantasia sobre temas da “Carmen” de Bizet, op. 25

Pablo de SARASATE

(1883)

Instrumentação: 2 flautas, 2 oboés, 2 clarinetes, 2 fagotes, 4 trompas, 2 trompetes, tímpanos, cordas.

No século XIX, a música francesa, resistindo à poderosa tradição germânica, buscava na música espanhola os elementos para seu discurso modernista: sobrevivência de modos medievais, melodias irregulares, conflitos rítmicos, harmonização não ortodoxa e humores contrastantes. Por outro lado, a literatura francesa explorava a cultura espanhola e alimentava o imaginário de compositores. Romancistas lançavam-se à exploração do exótico e do diverso. As cores hispânicas que tingiam a cultura francesa mesclavam-se às óperas e aos recitais de canções – gêneros musicais dominantes na Paris pós-napoleônica. E em meio a tudo isso, um tipo característico de músico se consolidava: o solista virtuose. É esse o cenário que Pablo de Sarasate, espanhol radicado na França, ilustra virtuosisticamente.

 

Começando os estudos musicais muito cedo, Sarasate logo esgotou as possibilidades de desenvolvimento na Espanha. Assim, aos doze anos foi enviado ao Conservatório de Paris. Além de assumir suas despesas, a Rainha Isabel II o presenteou com um famoso violino Stradivarius. Aos dezessete anos, tendo conquistado o Primeiro Prêmio do Conservatório de Paris, projetou-se em uma temporada de concertos que se estenderia por três décadas. Sarasate tornou-se uma lenda, um dos mais produtivos músicos de seu tempo. Foi o primeiro dos grandes violinistas a fazer gravações comerciais e compôs 54 obras. Com Paganini e Joachim, Sarasate é considerado um dos expoentes máximos do violino do século XIX.

 

À época esperava-se dos grandes virtuoses que apresentassem composições de sua autoria. Já no início de sua carreira, Sarasate tornou-se conhecido por um repertório, próprio, de fantasias sobre temas operísticos. As fantasias, em estilo livre, características da época, favorecem a elaboração sobre os temas de ópera, permitindo ao compositor reunir ideias diversas sem a necessidade de um processo de desenvolvimento. Elas são mais apropriadas à improvisação e à expressão em fluxo de temas melodiosos. Sarasate compôs fantasias sobre uma dezena de óperas. Mas foi sua Fantasia de Carmen, op. 25, inspirada na ópera de Georges Bizet, que conquistou um lugar cativo no repertório violinístico.

 

Bizet escrevera três óperas, sendo Carmen a última delas. Estreada em 1875, na Opéra Comique, em Paris, sua recepção não fora muito positiva, pois Carmen negava os paradigmas da plateia de classe média francesa: o sentimentalismo, os enredos moralistas, personagens edificantes e finais felizes. Mas em 1883 Sarasate sai em defesa da ópera de Bizet e contribui para sua popularização, ao tomá-la como inspiração. A Fantasia de Carmen divide-se em cinco movimentos, cada um sobre uma passagem da ópera: Introdução – allegro moderato, inspirado na Aragonaise do Entr’act do Quarto Ato; moderato, sobre a famosa Habanera do Primeiro Ato, ornamentada; lento assai, sugerido pela ária Tra-la-la…, extraída do Primeiro Ato; allegro moderato, baseado na Seguidilla do Primeiro Ato; moderato, elaborado a partir do início do Segundo Ato, Les tringles des sistres tintaient.

 

Para o século XIX, o violino era o instrumento melodioso par excellence; Sarasate fez seu violino cantar a França, a Espanha, as óperas e a literatura, com técnica fluida, equilíbrio, nobreza e precisão, desafiando grandes intérpretes e tradições musicais e seduzindo ouvintes.

 

Igor Reyner
Pianista, Mestre em Música pela Universidade Federal de Minas Gerais.

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