Fantasia para piano e orquestra

Claude DEBUSSY

(1889/1890)

Instrumentação: Piccolo, 3 flautas, 2 oboés, corne inglês, 2 clarinetes, clarone, 3 fagotes, 4 trompas, 3 trompetes, 3 trombones, tímpanos, percussão, 2 harpas, cordas.

 

Ainda criança, em visita a uma tia, em Cannes, Claude Debussy descobriu duas de suas paixões: a música e o mar. Lá começou a estudar piano e, aos oito anos (não se sabem bem as circunstâncias) tocou para Madame Mauté de Fleurville, que teve o mérito de descobrir seus dons excepcionais e se dispôs a lhe dar aulas gratuitas. Fora aluna de Chopin e, quando conheceu Debussy, era sogra de Paul Verlaine, um dos primeiros poetas musicados pelo compositor. Aos dez anos, o menino entrava para o Conservatório de Paris, onde estudou durante doze anos. Teve assim sólida formação musical, apesar de não se adaptar ao autoritarismo da instituição e à natureza dos habituais concursos de piano. Nas férias, contratado como pianista acompanhador pela baronesa von Meck, a mecenas de Tchaikovsky, Debussy viajou para a Rússia, a Itália e a Áustria. Em 1884, ganhou o Prix de Rome, mas acabou por abandonar a Villa Médicis, classificando-a como uma usina de tédio e recusando-se a participar da solene cerimônia final de entrega dos prêmios. De volta a Paris, frequenta a Librairie de l’Art, reduto dos simbolistas Mallarmé e Verlaine, admiradores de Baudelaire e de Wagner. Por outro lado, Debussy nunca manifestou especial apreço pela pintura dos impressionistas franceses, embora o rótulo de impressionista – que ele renegava – persista, envolvendo sua música em uma névoa de mal-entendidos.

 

Poucos músicos mostraram-se, como Debussy, tão capazes de constante renovação. Suas primeiras obras trazem as marcas do final do Romantismo e do wagnerismo – mas evidenciam também a busca de novos caminhos. A Fantasia para piano e orquestra se inclui entre os trabalhos exigidos do jovem bolsista do prêmio Roma – foi seu quarto e último envio. Revela a influência de Fauré e adota o princípio cíclico à moda de Vincent d’Indy e César Franck. Possui a forma tripartida de um concerto tradicional.

 

O Andante ma non troppo inicial apresenta dois temas: o primeiro aparece já na introdução; o segundo, de gracioso caráter melódico, bem mais tarde. Os dois temas se sobrepõem na reexposição em fortissimo. No Lento e molto expressivo segundo movimento, o solista mostra-se mais independente da orquestra. Uma quasi cadenza do piano conduz ao Allegro molto final, marcado por diversas variações do tema cíclico.

 

A Fantasia permaneceu inédita, pois Debussy, obstinado e insatisfeito, planejava refazê-la totalmente. Após a morte do compositor, a estreia ocorreu simultaneamente em Londres (com Alfred Cortot) e em Lyon (com Marguerite Long), no dia 20 de novembro de 1919.

 

Debussy manteve-se em constante renovação. O marco mais decisivo em sua trajetória foi a estreia, ainda no século XIX, do Prélude à l’après-midi d’un faune, sinalizando um ponto de virada para a música moderna. Suas muitas obras-primas seguintes mostram faces diversas e, sob vários aspectos, contraditórias. Inovam sempre e sinalizam caminhos inesperados. Revelam um pensamento sonoro totalmente novo, de impacto decisivo e duradouro.

 

Paulo Sérgio Malheiros dos Santos
Pianista, Doutor em Letras, professor na UEMG, autor dos livros Músico, doce músico e O grão perfumado – Mário de Andrade e a arte do inacabado. Apresenta o programa semanal Recitais Brasileiros, pela Rádio Inconfidência.

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