Fantasia para um fidalgo

Joaquín Rodrigo

(1954)

Instrumentação: piccolo, flauta, oboé, fagote, trompete, cordas.

 

O nome de Joaquín Rodrigo é sempre associado à sua obra mais conhecida, o Concierto de Aranjuez para violão e orquestra, escrita em 1939 e dedicada ao violonista Regino Sainz de la Maza. A Fantasia para un gentilhombre, sua segunda obra para o instrumento, no gênero concertante, surgiu em 1954. O gentilhombre em questão seria mesmo o lendário violonista Andrés Segovia (1893-1987), a quem o autor dedicou a obra. A Fantasia foi estreada em 5 de março de 1958 em São Francisco, nos Estados Unidos, pelo próprio Segovia ao violão, acompanhado pela orquestra local, sob a direção do regente espanhol Enrique Jordá.

 

Em 1674, o guitarrista espanhol Gaspar Sánz publicou um livro de Instrucción de Música sobre la Guitarra Española que contém, além de questões relativas ao encordoamento, à ornamentação e ao sistema de leitura do instrumento (a tablatura), numerosas peças em forma de canções e danças. Estas refletem fielmente o gosto musical e maneiras de sua época, sendo, na maior parte, curtas, simples e leves. Sua escrita expressava as mudanças que a linguagem musical estava sofrendo. Diferentemente da poesia, a música seguira dominada pelo impulso popular e, em consequência, segundo palavras de Joaquín Rodrigo, tinha se vulgarizado demais. O compositor ainda acrescentou: “À nobre graça das pavanas e galhardas sucederam os estilos mais leves de marizapalos, villanos, españoletas, canarios, e assim por diante, que eram mais apropriados à confusão do teatro popular que aos bailes do palácio”.

 

Sobre a composição da Fantasia para um fidalgo, Rodrigo informou que “todo o material temático, exceto certos breves episódios do último movimento, deriva – como em grande parte da contextura harmônica – da obra de Sánz, que trabalhou para Felipe IV da Espanha e, mais especialmente, para seu filho, João da Áustria”.

 

O instrumento utilizado por Sánz, a guitarra espanhola, era radicalmente diferente do violão atual, mas Joaquín Rodrigo, empregando um estilo neoclássico de composição, adaptou, nesta obra, algumas das peças do guitarrista seiscentista para o violão moderno, com a adição de uma orquestra reduzida (contendo somente um instrumento de sopro de cada naipe de madeiras, além de um trompete e cordas).

 

A Fantasia para um fidalgo inicia-se com Villano – dança monotemática cantada que utiliza a estrutura harmônica I-IV-I-V-I – e Ricercare, onde o compositor insere e desenvolve uma fuga inconclusa, empregada como exemplo didático no livro de Gaspar Sánz. Na segunda parte, Rodrigo apresenta-nos a Españoleta, dança lenta em tempo ternário, interrompida por um curioso episódio que serve como parte central: a Fanfare de la caballería de Nápoles, evidentemente referindo-se à época em que esse reino estava em estreito contato com a Espanha. A Danza de las hachas (Dança das tochas) é uma dança campesina tradicional. Com sua animação rítmica, apresenta-se como um duelo entre o violão e a orquestra. A última parte, o Canario, é uma dança popular construída sobre a mesma sequência harmônica do Villano, provavelmente originária das Ilhas Canárias, e cheia de alegria.

 

Celso Faria
Violonista, Especialista em Práticas Interpretativas – Música Brasileira – pela Escola de Música da UEMG e Mestre em Performance Musical pela Escola de Música da UFMG.

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