Os planetas, op. 32

Gustav Holst

(1914/1916)

Instrumentação: 2 piccolos, 4 flautas, 3 oboés, oboé baixo, corne inglês, 3 fagotes, contrafagote, 6 trompas, 4 trompetes, 3 trombones, eufônio, tuba, tímpanos, percussão, 2 harpas, órgão, cordas.

 

Gustav Holst nasceu em 21 de setembro de 1874 em Cheltenham, Inglaterra. Desde a infância estudou piano e violino. Como tinha saúde frágil e apresentava problemas de neurite nas mãos, acabou conduzindo seus esforços e dedicação ao trombone. Graças a esse instrumento, pode tocar em orquestras e aprender sobre a sonoridade orquestral “de dentro”. Frequentou o Royal College of Music, em Londres, onde estudou com Charles V. Stanford. Foi nessa época que se iniciou sua amizade com o colega e compositor Ralph Vaughan Williams. Tinha grande interesse no misticismo hindu, o que o conduziu à composição de várias peças sobre textos traduzidos do sânscrito. Suas primeiras peças revelam influências de Wagner. À medida que seu estilo amadurece, incorpora elementos de compositores ingleses antigos – os madrigalistas e Purcell – e do canto folclórico, além de traços de Ravel e de outros contemporâneos.

 

A obra orquestral Os planetas foi concebida como uma sequência de movimentos expressivamente contrastantes, inspirados nas características atribuídas pela Astrologia aos planetas do sistema solar e nos afetos das divindades greco-romanas associadas aos mesmos. Isso explica a ausência do planeta Terra, que é o ponto de referência da cosmologia antiga, geocêntrica. Alguns movimentos apresentam ostinatos pulsantes e marciais; outros são lentos e delicados; outros, ainda, são scherzos velozes e fluentes.

 

Há diferentes interpretações sobre a sequência escolhida pelo compositor para os movimentos. Uma delas sugere que a escolha partiu da distância dos planetas em relação à Terra. Nesse sentido, o ciclo refletiria as influências astrológicas dos planetas cada vez mais afastados. Haveria, entretanto, uma exceção, que é a ordem invertida entre Marte e Vênus, o que talvez se justifique por razões propriamente musicais: o caráter vigoroso de Marte é mais adequado para um início do que a calma e delicadeza de Vênus.

 

A primeira versão da peça foi instrumentada para dois pianos. Entretanto, o movimento Netuno foi concebido para órgão, pois Holst acreditava que o som do piano era demasiado duro para um mundo tão distante e misterioso. A versão posterior, para grande orquestra, tornou-se mais conhecida. Holst, inclusive, se queixou, em diversas oportunidades, que a popularidade de Os Planetas eclipsava suas demais obras. A versão orquestral revela influências de compositores contemporâneos como Ravel, Stravinsky e Schoenberg no brilho dos timbres, nas dissonâncias e na rítmica pulsada e vigorosa. De Debussy, observa-se a influência do terceiro dos Noturnos para orquestra, Sereias, no movimento Netuno, com a presença do coro feminino.

 

A estreia de Os Planetas, em uma versão incompleta, se deu em um concerto privado em 1918, com regência de Adrian Boult. A primeira performance completa ocorreu em 1920, com direção de Albert Coates.

 

Marte, o portador da guerra
Esse movimento se inicia com um ostinato vigoroso em um compasso de cinco tempos. Os instrumentos de metal executam motivos melódicos cromáticos com caráter marcial. Aos poucos, esses motivos vão sofrendo variações rítmicas e aceleração, o que, somado a um adensamento da orquestração, conduz a um clímax. Após uma seção mais calma, com as cordas graves em piano, ouve-se uma reexposição variada dos elementos iniciais.

 

Vênus, o portador da paz
Esse movimento contrasta com o anterior no andamento lento, na dinâmica suave e na predominância do registro agudo. No início, ouve-se um diálogo entre a trompa e o coro de madeiras. Após um gesto ascendente dos violoncelos, inicia-se uma nova seção com melodias agudas, ora no violino solo, ora no naipe dos violinos, ora em algum instrumento de sopro. Segue-se uma reexposição transformada dos materiais anteriores.

 

Mercúrio, o mensageiro alado
Um scherzo fluente e veloz, com gestos claramente direcionais no registro caracterizam o movimento Mercúrio. Há dois temas diferenciados pelo ritmo: o primeiro utiliza uma pulsação ternária (compasso 6/8); o segundo, binária (compasso 2/4). Após a exposição dos temas, ouve-se uma elaboração do primeiro. Um solo de tímpano marca a transição para uma reexposição concisa.

 

Júpiter, o portador da alegria
Esse movimento é um rondó, onde um refrão baseado em um motivo sincopado alterna-se com melodias contrastantes. No centro do movimento ouve-se um hino solene. Algumas sonoridades fazem referência a Petrushka, de Stravinsky, como o início brilhante, com ostinatos em semicolcheias nos violinos.

 

Saturno, o portador da maturidade
Esse movimento se caracteriza pela presença de ostinatos em contratempo que se opõem a gestos melódicos com timbre sempre transformado. Em alguns momentos, ouvem-se sinos combinados a sequências rápidas no extremo agudo das harpas, formando camadas de sonoridades delicadas e luminosas.

 

Urano, o mago
Esse movimento também é um scherzo. O motivo inicial é exposto em diferentes velocidades (aumentações e diminuições). Essa mesma ideia retorna em diversos momentos e funciona como um elemento de articulação entre os trechos propriamente melódicos.

 

Netuno, o místico
A orquestração desse movimento é fascinante, com a presença dos arpejos e glissandi nas harpas e celesta, com os trêmolos nas cordas agudas e o vocalise do coro feminino. A harmonia inicial cromática retorna diversas vezes, com diferentes instrumentações. Os arpejos e glissandi criam uma espécie de bruma sonora misteriosa. A entrada inesperada do coro feminino coroa essa atmosfera sonora incomum.

 

Rogério Vasconcelos
Compositor e professor da Escola de Música da UFMG.

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