Uma italiana na Algéria: Abertura

Gioacchino Rossini

Filho do trompista municipal de Pesaro e de uma cantora pouco talentosa, Rossini estudou com os conceituados irmãos Malerbi, em cuja biblioteca teve acesso a partituras de Haydn e Mozart. O contato com os grandes mestres vienenses tanto marcou o estilo peculiar de Rossini que o jovem compositor, em começo de carreira, recebeu de seus contemporâneos a alcunha de Il tedeschino (o alemãozinho). Podem-se assinalar em suas obras indícios da elegância, ornamentação e graça mozartianas, porém de forma a torná-los acessíveis a um público de gosto musical menos cultivado e curta memória. Efetivamente, na Itália dos últimos anos do século XVIII, a ópera tornara-se verdadeira paixão nacional e os italianos exigiam títulos novos a cada temporada. Acompanhando esse ritmo alucinante, o catálogo de Rossini impressiona: 38 óperas, vinte oratórios, cantatas, coros e peças vocais com acompanhamento instrumental, que fizeram dele o compositor mais conhecido e idolatrado de seu tempo. Toda essa produção (em que se encontram preciosos tesouros musicais ao lado de inevitáveis páginas apressadas e superficiais) concentrou-se em vinte anos de trabalho. Depois de Guillaume Tell (1829), Rossini viveu os seguintes 39 anos em silêncio, pragmaticamente repousando sobre os louros que colhera na primeira metade da vida.

 

O segredo do criador de O barbeiro de Sevilha reside na incomparável vivacidade de sua música, concretizada em recursos sem antecedentes à época, como os crescendi de efeito irresistível – um tema, a princípio apenas esboçado, caminha em repetições de intensidade crescente até um fulgurante estrondo orquestral. Por outro lado, as onomatopeias cômicas atestam a capacidade rossiniana de tirar partido de situações absurdas dos libretos. Assim, em determinado trecho, a música acompanha o cuidado excessivo de um sexteto, cantando, sílaba por sílaba, os versos: “isto é um nó complicado, uma meada muito intrincada”. Em outro, um baixo imita, com trinados e gorjeios, os floreados próprios das vozes agudas. Rossini se diverte e encanta seu público. Entretanto, mais admirável é sua capacidade de escrever delicadas e cativantes melodias, expressivas de afetos como a melancolia, a tristeza e outros sentimentos do gosto pré-romântico e que o impõem como o compositor mais original do primeiro Romantismo italiano, fugindo do convencionalismo de seus ilustres predecessores, Cimarosa e Paisiello.

 

Rossini despede-se definitivamente da antiga ópera italiana com L’italiana in Algeri, ópera bufa com ambientação oriental, composta em 1813 (como O rapto do serralho, composta por Mozart em 1781). A Abertura mostra uma cintilante orquestração, de brilho e habilidade ímpares, na qual os instrumentos de madeira extravasam seus recursos para dar cor e variedade às irresistíveis melodias. Inicia-se com um breve Andante – as cordas em pizzicato e terna melodia no oboé, ao qual se juntam os clarinetes. O ritmo se precipita e os impetuosos primeiros violinos apresentam o Allegro seguinte. Uma nova melodia estabelece um diálogo do oboé com a flauta, antes que um vigoroso crescendo termine a primeira seção. Na segunda parte, o tema principal (confiado à flauta, ao oboé e ao clarinete) torna-se mais dramático com suas modulações. O segundo tema apresenta uma pergunta da flauta e do fagote à qual o oboé responde. E a música se precipita, novamente, em mais um crescendo tipicamente rossiniano.

 

Paulo Sérgio Malheiros dos Santos
Pianista, Doutor em Letras pela PUC Minas, professor na Universidade do Estado de Minas Gerais, autor do livro Músico, doce músico.

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