Serenata para sopros em ré menor, op. 44

Antonín DVORÁK

(1878)

Instrumentação: 2 oboés, 2 clarinetes, 2 fagotes, contrafagote, 3 trompas, violoncelo, contrabaixo.

 

As serenatas, os divertimentos e músicas noturnas do século XVIII sempre tiveram, mesmo quando festivas, algo de um tom doméstico ou intimista. De fato, sua destinação eram as festividades ou o recreio da aristocracia ou das famílias abastadas. Assim, era natural que tivessem um ar de música ligeira, ainda que, dentre elas, despontem obras-primas, como a famosa Eine kleine Nachtmusik de Mozart. Quando o século XIX revisita esses gêneros, constrói uma espécie de paradoxo. Embora procure conservar a sua leveza e acessibilidade, leva-os para o ambiente do espetáculo. Há, dessa forma, uma teatralização intencional, às vezes sutilmente irônica, tanto dos gêneros em si, quanto dos contextos que eles evocam.

 

Os três grandes exemplos que ilustram esse movimento oitocentista são obras ainda hoje muito populares: a Serenata para cordas de Tchaikovsky e as duas serenatas de Dvorák, uma para cordas e outra para sopros. A obra de Tchaikovsky lembra muito da sua música para balé, sempre encantadora. Na Serenata, porém, ele atinge um grau de profundidade artística que, em seus balés, por vezes apenas tangencia. As duas obras de Dvorák, por sua vez, são um caso à parte. Tão diferentes entre si, a começar pela própria instrumentação, o lirismo nostálgico da Serenata para cordas, op. 22, parece quase contradizer a ironia das fanfarras rústicas e das marchas, ambas estilizadas, da Serenata para sopros, op. 44.

 

Três anos separam as elaborações dessas obras. A primeira, de 1875, ajudou a projetar Dvorák como compositor: naquele ano ele havia ganhado a Bolsa Estatal Austríaca e compõe, além da Serenata, uma ópera, a sua Quinta Sinfonia e três peças de música de câmara. A partir daí, começa a chamar a atenção de Brahms, que se torna um de seus mais fervorosos partidários.

 

A Serenata para sopros, op. 44, data de janeiro de 1878. Composta um tanto às pressas, foi estreada em novembro do mesmo ano, em Praga, sob a batuta do compositor. Assim como na Serenata para cordas (e como na maior parte de sua música), o que se destaca na Serenata para sopros não é, em definitivo, a inovação formal.

 

Chamam a atenção, isso sim, os toques irônicos que Dvorák imprime à obra, a começar pela marcha inicial, que parece ter uma solenidade arremedada, cujas duas aparições emolduram um episódio mais lírico. O segundo movimento, que ele chama de Minueto, evoca, em sua rítmica, algo das danças folclóricas tchecas, como que esboçando, com elegância e sutileza, uma caricatura da dança aristocrática do século XVIII. O Andante, por sua vez, é uma das páginas mais inspiradas do compositor. Original em sua textura e com um trabalho harmônico surpreendente, mormente na seção central, aí se encontra, sem dúvida, o Dvorák lírico de quase sempre. O folclore volta à tona no último movimento, com evocações quase cômicas das bandas rústicas dos vilarejos.

 

Interessante é que Dvorák, em ambas as serenatas, imprime um certo aspecto cíclico à forma. Na Serenata para sopros, isso se percebe quando, no último movimento, o compositor faz retornar o tema inicial da obra. Claramente extrovertida, essa obra de Dvorák realmente tem razão de ter caído no gosto popular sem, com isso, deixar de mostrar o gênio artístico desse grande músico da Boêmia.

 

Moacyr Laterza Filho
Pianista e cravista, Doutor em Literaturas de Língua Portuguesa, professor da Universidade do Estado de Minas Gerais e da Fundação de Educação Artística.

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