Sinfonia nº 2, “Índia”

Carlos CHÁVEZ

(1935/1936)

Instrumentação: 2 piccolos, 3 flautas, 3 oboés, requinta, 2 clarinetes, clarone, 3 fagotes, 4 trompas, 2 trompetes, 2 trombones, tímpanos, percussão, harpa, cordas.

 

“A arte indígena do México é, em nossos dias, a única manifestação viva de um povo que representa cerca de quatro quintos da estrutura racial do país”, afirmou Carlos Chávez acerca de sua Sinfonia nº 2, também conhecida como Sinfonia Índia. A frase esclarece sobre a origem da obra e justifica o apelido, que não se refere ao país homônimo e nem a qualquer outro povo indígena: “índia” relaciona-se tão-somente com a cultura indígena mexicana. A valorização do folclore mexicano marca a produção musical de Carlos Chávez, cuja representatividade no México é semelhante à de Heitor Villa-Lobos no Brasil. Tal como Villa-Lobos fora influenciado por Mário de Andrade, Chávez seguiu os passos de seu mestre, Manuel Ponce. Sem ater-se à música contemporânea, Chávez ampliou sua pesquisa aos povos mesoamericanos do período pré-conquista ou pré-colombiano.

 

A característica mais marcante da Sinfonia Índia é a inclusão de instrumentos de origem nativa em sua orquestração, como o güiro, semelhante ao reco-reco brasileiro e já utilizado por Stravinsky em A sagração da primavera. Por serem raros tais instrumentos nativos, o compositor indica na partitura quais seriam os equivalentes mais próximos: o tambor de água, Jicara de agua ou xicallí, uma espécie de cabaça emborcada em outra, cheia de água, pode ser substituído pelo tambor surdo; o rústico tambor yaqui pode ser substituído pela tabla indiana; os tambores de madeira feitos com tronco de árvores escavadas, chamados teponaxtles, poderão ser substituídos pelo xilofone; o grande tambor de pele de pantera, de nome quase impronunciável, tlapanhuéhuetl, usado em cerimônias de convocação para a guerra, pelo bumbo; o tenábaris, feito de casulos secos de borboletas, por um chocalho, e assim por diante.

 

Pode-se dizer que a Sinfonia Índia foi inspirada nas grandes civilizações indígenas do antigo México, embora concebida a partir de temas dos índios Huicholes e Coras do estado de Nayarit, dos índios Seris da ilha do Tubarão e dos índios Yaquis do estado de Sonora. A energia tribal da primeira parte ou o canto cerimonial da seção intermediária retratam a música daqueles antigos povos dotados de milenar conhecimento tecnológico, mas que sacrificavam virgens por temor ao deus Sol. Parte desse “primitivismo sofisticado” – o asteca, em especial – foi assolado pelo conquistador espanhol Hernán Cortés, e outra parte mantida pelos índios aliados a Cortés contra a dominação asteca. Daí a sobrevivência dos povos huicholes, yaquis e seris. Carlos Chávez, ao analisar a herança musical autóctone do período pós-conquista, admirou inclusive a capacidade de ter a cultura mexicana resistido a quatro séculos de contato com expressões musicais europeias: “a música dos ancestrais imediatos da América é a forte música de um homem que constantemente se esforça em dominar seu entorno. Manifestações estrangeiras que se opõem ao sentimento de sua música têm sido incapazes de destruí-la, por não conseguirem alterar as condições éticas dos indivíduos”.

 

Marcelo Corrêa
Pianista, Mestre em Piano pela Universidade Federal de Minas Gerais, professor na Universidade do Estado de Minas Gerais.

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