Sinfonia nº 4 em fá menor, op. 36

Piotr Ilitch TCHAIKOVSKY

(1877/1878)

Instrumentação: Piccolo, 2 flautas, 2 oboés, 2 clarinetes, 2 fagotes, 4 trompas, 2 trompetes, 3 trombones, tuba, tímpanos, percussão, cordas.

 

A composição da Sinfonia nº 4 está intimamente ligada ao aparecimento de uma mulher que mudaria para sempre a vida de Tchaikovsky: Nadezhda Filaretovna von Meck. Viúva de um engenheiro que fizera fortuna construindo estradas de ferro na Rússia, Mme. von Meck era uma musicista amadora, excelente administradora e rica o bastante para manter, constantemente, um grupo de músicos à sua disposição. Em dezembro de 1876 ela fizera a encomenda de uma peça para violino e piano, que Tchaikovsky prontamente executou. Em fevereiro de 1877 Tchaikovsky recebia uma segunda carta de Mme. von Meck, agradecendo-lhe pela composição e dizendo-lhe o quanto o amava: “Gostaria muito de contar-lhe toda a extensão de meus pensamentos e sonhos a seu respeito”. Tchaikovsky respondeu no dia seguinte: “Por que hesita em contar-me seus pensamentos? Asseguro-lhe que ficaria muito interessado e agradecido, já que sinto profunda simpatia pela senhora. Estas não são palavras vãs. Talvez eu a conheça melhor do que imagina”.

 

Mme. von Meck respondeu-lhe dizendo de seu amor pelo compositor, amor platônico, mas que beirava à obsessão. Nascia ali um dos casos mais duradouros de mecenato da história da música. Nos treze anos seguintes, Mme. von Meck depositou, mensalmente, 500 rublos na conta de Tchaikovsky, soma considerável, destinada a liberar o compositor da necessidade de dar aulas para sobreviver e a permitir-lhe dedicar-se, inteiramente, às viagens e à composição. Os dois trocaram mais de mil cartas nesse período e a única imposição de Mme. von Meck era de que nunca se encontrassem pessoalmente.

 

Os primeiros esboços da Sinfonia nº 4 datam dessa época: fevereiro de 1877. Embora já tivesse iniciado sua composição quando recebeu a emblemática carta de Mme. von Meck, Tchaikovsky logo passaria a chamar sua nova obra, em algumas cartas, de “nossa sinfonia” ou “sua sinfonia” (em 26 de setembro de 1879, Mme. von Meck escrevia ao compositor: “considero que esta sinfonia é só minha”.). Vasculhando a correspondência de Tchaikovsky descobrimos que, em 15 de maio, os três primeiros movimentos já estavam rascunhados e, em 8 de junho, o Finale estava pronto: “até o fim do verão terminarei a orquestração”. Mas a sinfonia só começaria a ser orquestrada, de fato, no fim de agosto: “nossa sinfonia está progredindo pouco” (24 de agosto). Nesse meio tempo, além de ocupado com a composição da ópera Eugene Oneguin, Tchaikovsky embarcara em um casamento desastrado com sua antiga aluna Antonina Miliukova. No início de outubro a orquestração do primeiro movimento estava quase pronta quando Tchaikovsky viajou para o balneário suíço de Clarens, a fim de recuperar-se do colapso nervoso causado pelo fim do casamento que durara apenas seis semanas. A orquestração dos três primeiros movimentos foi concluída em Veneza. Em 7 de janeiro de 1878, em San Remo, Tchaikovsky completava sua amada Quarta Sinfonia.

 

Considerada pelo compositor como uma de suas melhores obras, a Sinfonia nº 4 foi dedicada a Mme. von Meck. A estreia se deu em Moscou, em fevereiro de 1878, pela Sociedade Musical Russa, sob a regência de Nikolai Rubinstein. Tchaikovsky estava em Florença e recebeu notícias contraditórias sobre a estreia. Seu amigo Sergei Taneyev foi o único a contar-lhe a verdade: músicos e público tiveram dificuldade em compreender uma obra que ia muito além das fronteiras tradicionais. Só após a estreia em São Petersburgo, nove meses depois, a Sinfonia nº 4 começaria a conquistar seu lugar no repertório sinfônico.

 

O primeiro movimento dura, aproximadamente, metade da obra. Inicia-se com uma introdução forte nas trompas e fagotes, seguidos dos trombones, tuba, trompetes e madeiras. O primeiro tema é apresentado nas cordas (Moderato con anima), em movimento de valsa. O segundo, apresentado nas madeiras, é introduzido pelo clarinete. O movimento se desenvolve com inúmeras repetições dos dois temas principais e do tema da introdução, e termina com uma coda majestosa.

 

O segundo movimento é uma triste canção russa com dois temas: o primeiro, mais melancólico, é executado pelo oboé e prontamente repetido pelos violoncelos; o segundo, mais esperançoso, é apresentado nos violinos.

 

O Scherzo é extremamente leve e gracioso. A primeira seção destina-se às cordas, que tocam em pizzicato durante todo o movimento. A seção central contém um momento destinado às madeiras e outro aos metais. O movimento termina calmamente com o pizzicato das cordas.

 

Tchaikovsky compôs um Finale grandioso para a Quarta Sinfonia. O primeiro tema, vivo e brilhante, dá o caráter do andamento. O segundo, executado primeiramente pelo oboé e fagote, apresenta um pouco de calma no tumulto orquestral, mas não por muito tempo: o caráter agitado do primeiro tema logo contagia o segundo. À medida que caminhamos para o fim ouvimos, novamente, o tema da introdução do primeiro movimento. Uma grande coda fecha a sinfonia, à moda dos desfechos imponentes de Tchaikovsky.

 

Guilherme Nascimento
Compositor, Doutor em Música pela Unicamp, professor da Escola de Música da UEMG, autor dos livros Música menor e Os sapatos floridos não voam.

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