Tristão e Isolda: Prelúdio e morte por amor

Richard WAGNER

(1857/1859)

Instrumentação: Piccolo,3 flautas, 2 oboés, corne inglês, 2 clarinetes, clarone, 3 fagotes, 4 trompas, 3 trompetes, 3 trombones, tuba, tímpanos, harpa, cordas.

 

De Debussy a Schoenberg – para apenas mencionar dois polos diametralmente opostos –, todas as vozes aclamam Tristão e Isolda em uníssono. Debussy vai duas vezes em peregrinação a Bayreuth, depois de assistir ao Tristão em Viena, em 1882. Se, depois, ele toma um caminho muito diferente, é inegável que o contato com Wagner lhe propôs importantes ferramentas para libertar-se das funções tonais e da retórica do desenvolvimento temático. Os wagnerianos e, pouco mais tarde, a Segunda Escola de Viena, consideram Tristão e Isolda o anúncio profético dos caminhos musicais futuros: nessa obra, o trabalho audacioso com encadeamentos cromáticos potencializaa função expressiva, leva o sistema tonal aos seus limites mais extremos, esgota os recursos da harmonia – vedando-lhe a estabilidade – e inaugura as premissas de uma possível dissolução da tonalidade, mais tarde concretizada.

 

O resultado expressivo dos cromatismos em Tristão e Isolda tem nitidamente uma função dramática: a expectativa constante da resolução das dissonâncias, incessantemente adiada, é um procedimento capaz de criar o clima de tensão propício à paixão trágica e aos estados de crise. A lenda medieval que intitula a ópera de Wagner talvez não pudesse ter achado recurso musical mais adequado. A despeito dessa inventividade tamanha e de seu lugar fundamental dentre os maiores monumentos musicais do Ocidente, Tristão e Isolda não é a última ópera do compositor. Estreada em Munique, em 1865, sob a regência de Hans von Bülow, a ela sucederam ainda Os Mestres Cantores de Nurembergue (1868), Siegfried e O Crepúsculo dos Deuses (terceira e quarta partes, respectivamente, do ciclo O Anel do Nibelungo, ambas estreadas em 1876) e Parsifal (1882).

 

No entanto, mais que na tetralogia do Anel, é em Parsifal e em Tristão que a música de Wagner encontra a sua expressão mais genuína. No Prelúdio de Tristão e Isolda, a indefinição tonal que se instala desde os três primeiros compassos – nos quais uma curta e angulosa melodia desemboca em um acorde ambíguo, que não se resolve por completo – gera tamanha tensão e causa uma impressão dramática tão impactante que deixa estarrecido até o ouvinte mais atual.

 

O par formado pelo prelúdio de Tristão e a ária final da ópera transformaram-se, desde muito cedo, pelas mãos do próprio Wagner, em uma única peça de concerto. Na verdade, essa combinação foi executada pela primeira vez em 1862, três anos antes da estreia da ópera propriamente dita. Há, para ela, duas versões: uma que inclui a voz na parte final e outra puramente orquestral. Chamado pelo próprio Wagner de Transfiguração (Verklärung), o extático e pungente cântico entoado por Isolda diante do cadáver de Tristão revela, dela, os sentimentos mais íntimos e, por isso mesmo, os menos definidos. Nesse cântico, Isolda se transporta para um estado em que amor, dissolução, união e morte magicamente se integram, onde o mar se confunde com o próprio universo. Mesmo sem voz, a versão orquestral do “Mildundleise” é sólida o suficiente para garantir – integralmente – o impacto dramático desse trecho antológico da obra de Wagner.

 

Moacyr Laterza Filho
Pianista e cravista, Doutor em Literaturas de Língua Portuguesa, professor da Universidade do Estado de Minas Gerais e da Fundação de Educação Artística.

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