Sinfonia nº 6 em Ré maior, op. 60

Antonín DVORÁK

(1880)

Instrumentação: Piccolo, 2 flautas, 2 oboés, 2 clarinetes, 2 fagotes, 4 trompas, 2 trompetes, 3 trombones, tuba, tímpanos, cordas.

 

Duas obras de Dvorák haviam sido programadas para a temporada de 1879 da Orquestra Filarmônica de Viena: a Rapsódia Eslava no 3, op. 45, e a Serenata para dez instrumentos de sopro, op. 44. Os músicos se encantaram com a Rapsódia desde o início, a ponto de Hans Richter, o regente titular, encomendar uma nova obra ao compositor para a temporada seguinte: uma sinfonia. Mas o público recebeu a Rapsódia com uma frieza sem precedentes, e as críticas que se seguiram ao concerto foram tão violentas que os membros da orquestra decidiram não executar a Serenata. Dvorák, entretanto, começou a trabalhar na composição da nova sinfonia. Os músicos recusaram-se, novamente, a executar outra obra sua, e a Sinfonia no 6 acabou tendo sua estreia não mais em Viena, mas em Praga, no dia 25 de março de 1881, sob a regência de Adolf Cech.

 

Não é de se estranhar a hesitação da orquestra vienense em programar repetidas obras de um compositor tcheco relativamente desconhecido. Naquela época, dos aproximadamente duzentos concertos anuais que aconteciam na cidade, menos de vinte eram concertos de orquestras ou coros profissionais. A Filarmônica de Viena apresentava apenas oito concertos por ano. Seus ingressos, a preços exorbitantes, eram destinados a um seleto grupo de pessoas endinheiradas. O grosso do repertório centrava-se nos compositores clássicos do final do século XVIII e início do XIX. Os grandes compositores alemães vivos (Wagner, Brahms e Bruckner) detinham, juntos, apenas doze por cento da programação, ou seja, aproximadamente duas obras de cada um por ano.

 

Além do mais, o público da Filarmônica, constituído basicamente de grandes industriais, banqueiros, oficiais graduados e altos funcionários públicos – as classes rica e média alta da cidade –, identificava-se fortemente com a ideologia liberal que pregava a superioridade cultural alemã e a necessidade de se transmitir essa cultura aos outros povos do Império Austro-Húngaro. Os valores que estavam em jogo não eram raciais ou étnicos, mas apenas culturais. Se o sabor eslavo das obras de Dvorák foi capaz de causar certa excitação numa Alemanha tão confiante de si, já na Viena dos Habsburgo, numa época em que os austríacos ainda lutavam para impor sua supremacia cultural aos diversos povos do Império, qualquer exotismo vindo do leste era visto com forte oposição.

 

E, curiosamente, a Sinfonia no 6 talvez seja a mais vienense das sinfonias de Dvorák, por conter fortes referências às sinfonias de Beethoven e Brahms. Enquanto o primeiro movimento é repleto do encanto e da luminosidade tão presentes em sua obra, o segundo traz outra característica ímpar do compositor: a melancolia. Se Dvorák tentou esconder o típico sabor tcheco de sua música, compondo uma sinfonia ao gosto vienense, no Scherzo ele se trai e nos brinda com uma deliciosa dança camponesa de sua terra natal. O último movimento, doce, traz a delicada ambientação do início da Sinfonia no 6 de Beethoven.

 

Guilherme Nascimento
Compositor, Doutor em Música pela Unicamp, professor na Escola de Música da UEMG, autor dos livros Os sapatos floridos não voam e Música menor.

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