|    31 jul 2020

Maestro indica: “Romeu e Julieta” de Prokofiev

Romeu e Julieta, por Sergei e Márcia

Romeu e Julieta, por Sergei e Márcia

por Fabio Mechetti

Sergei PROKOFIEV | Romeu e Julieta, Op. 64

Algumas semanas atrás, sugeri que quase todas as obras-primas da música clássica do século XX foram concebidas como balés: A Sagração da Primavera de Stravinsky, O Mandarim Maravilhoso de Bartók, Daphnis et Chloe de Ravel, O Sombreiro de Três Picos de de Falla, entre tantos. Dentre essas inúmeras propostas inclui-se também o Romeu e Julieta de Sergei Prokofiev.

A definitiva estória de amor criada por Shakespeare estimulou compositores, ao longo da história da música, a se expressarem nos mais diferentes gêneros. Todos buscaram traduzir a essência do amor impossível dos jovens de Verona, seja dentro de uma linguagem estritamente sinfônica, como a versão de Tchaikovsky, ou coral-sinfônica, como a de Berlioz, lírica, como Gounod, moderna, na Broadway, com West Side Story de Leonard Bernstein, ou, no caso em questão, na dança.

A natureza da estória em si ou as circunstâncias nas quais ela se desenrola representam o sentimento romântico por excelência, mesmo que Shakespeare a tenha concebido duzentos anos antes do período que ficou conhecido como Romantismo. Dois jovens, de famílias rivais, impulsionados pela força incontrolável do amor, desafiam tudo e todos para consumarem um fato impossível. O conflito das famílias como pano de fundo estabelece a atmosfera onde os dois apaixonados vêm a se descobrir.

Romeu: “Será que meu coração realmente tinha amado até agora? Pois eu nunca vi beleza tão pura até esta noite.”

Julieta: “Romeu, Romeu! Onde estás, meu Romeu? Renega teu pai e abdica o teu nome; e, se não tiveres coragem, jura que me amas, e eu deixarei de ser Capuleto.”

O desenrolar da ação aprofunda a impossibilidade, mas enfatiza o inevitável. Em todos os momentos dessa estória pulsa o coração romântico.

Diante disso, como é possível que um compositor tido como moderno, dissonante, conhecido pela sua ensurdecedora carga sonora e pela ênfase na técnica apurada de sua escrita e, consequentemente, de seus intérpretes, pudesse ser capaz de traduzir com tanta propriedade um espírito supostamente tão estranho a ele? Poderia aqui tentar inventar uma resposta até convincente, mas acho que a melhor delas seria apenas uma: é isso que distingue os gênios dos meros mortais.

Tendo absorvido por completo a essência do texto e a expressividade exigida por ele, Prokofiev consegue de forma magistral escrever uma das partituras mais comoventes do ponto de vista emocional, mais apropriadas ao estilo da dança (tanto a tradicional quanto variações mais modernas), mais ricas em termos de cores orquestrais, mais íntegras do ponto de vista estrutural, sem perder, num só momento, a identidade estampada de sua linguagem individual.

O conflito dos Capuletti e Montecchi e sua carga emocional são traduzidos musicalmente nos pesados e dissonantes acordes que dão início à Suíte. A leveza e jovialidade de Julieta se manifestam nas inúmeras danças de que ela participa, assim como o amor do casal é representado por algumas das mais líricas e românticas melodias jamais escritas.

Para uma apreciação da genialidade da obra e de seu compositor, recomendo que se deem o tempo de assistir ao primeiro vídeo:

Nele viveremos o balé em sua integridade, na versão do Balé de Stuttgart com a nossa maravilhosa conterrânea Márcia Haydée.

Uma compilação sinfônica dos melhores momentos do balé, através de suas conhecidas três suítes, é matéria do segundo vídeo, com a Orquestra Sinfônica de Londres e o regente sul-coreano Myung-Whun Chung:

A imagem que ilustra este post é uma foto da Bain News Service, Library of Congress, 1918.

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