Concerto para orquestra

Bela BARTÓK

(1943)

Instrumentação: piccolo, 2 flautas, 2 oboés, corne inglês, 2 clarinetes, clarone, 2 fagotes, contrafagote, 4 trompas, 3 trompetes, 3 trombones, tuba, tímpanos, percussão, 2 harpas, cordas.

 

O Concerto para orquestra é uma obra de síntese e de superação. Nele, temas e procedimentos composicionais inspirados em tradições populares e na música erudita convivem, de forma orgânica, em um tecido composicional exuberante. A obra, por sua riqueza de atmosferas, de contrastes e, particularmente, por sua força e vitalidade, não deixa entrever as provações e os sofrimentos pelos quais passava o compositor. Exilado nos Estados Unidos em virtude da ascensão do nazismo na Hungria, Bartók enfrentava dificuldades materiais, sentia falta da terra natal e, já nessa ocasião, sofria da doença que viria a vitimá-lo. Apesar disso, o Concerto dá mostras de transcendência diante das adversidades, como podemos depreender dos comentários do próprio compositor, em nota de programa na qual ressalta o percurso dos cinco movimentos. Para Bartók, essa obra, apesar do espírito extrovertido do segundo movimento, “apresentava uma transição gradual da severidade do primeiro” e da “lúgubre canção de morte do terceiro” em direção à “afirmação de vida” que marca o movimento conclusivo. Essa trajetória tem como ponto de partida uma atmosfera de música noturna – que lembra o quarto movimento da Suíte para piano, Ao ar livre, que Bartók havia composto em 1926 – e culmina no vigor e trepidação rítmica do movimento final.

 

O título – Concerto para orquestra – pode levar à inferência de que se trata de obra virtuosística, no sentido atribuído aos concertos com solistas, que fizeram história a partir do início do século XVIII. Aqui, muito embora o virtuosismo individual apareça em passagens breves, Bartók faz lembrar sobretudo o concerto grosso, em que um grupo de solistas – o concertino – se destaca do ripieno, a massa orquestral. Tal procedimento se faz notar, por exemplo, na seção central – o desenvolvimento da forma sonata –, no fugato entregue ao naipe dos metais, do movimento de abertura. No entanto, mais que a questão puramente virtuosística, o Concerto apresenta, sobretudo, um jogo de timbres, como ocorre no segundo movimento, no tratamento solista por grupos instrumentais. Esse Giuoco delle coppie – jogo dos pares – expõe, sucessivamente, após uma curta abertura entregue à percussão, cinco grupos instrumentais que se encarregam, na primeira seção, de materiais composicionais em caráter de scherzo, dançante, nitidamente de inspiração folclórica. Além das diferenças tímbricas, cada grupo – ou par, de instrumentos iguais: fagotes, oboés, clarinetes, flautas e trompetes – mantém intervalos harmônicos paralelos específicos. Na seção central, os metais se encarregam de um coral, solene, que contrasta com a seção anterior, mas na qual a caixa-clara faz lembrar, em breves interpolações, a pulsação dançante inicial. Na seção conclusiva, voltam os pares, agora em diversas combinações entre si. Em todo o movimento, vale ressaltar o papel do naipe das cordas que, apesar de pontuar ou secundar as intervenções dos sopros, sem um material verdadeiramente temático, intervém, juntamente com as harpas, com um tratamento instrumental rico e refinado.

 

Na seção inicial da Elegia, Bartók recupera algo da ambiência que abre o concerto, evocando o material composicional da introdução, através das melodias das cordas, em que predominam intervalos de quartas, material que prepara nova atmosfera de música noturna, com um solo de oboé envolto pela escritura requintada de cordas e de harpas, e pelos arabescos de flauta e clarinete. A textura de harmonias densas e cromáticas que se segue, explorando a escritura antifonal entre madeiras e cordas, leva a um solo de flautim, ao qual respondem oboé, corne inglês e trompa. A delicadeza desse momento, espécie de prelúdio, evidencia o contraste da seção central, dramática, na qual, logo de início, os violinos, em oitavas, encarregam-se do material melódico que se opõe ao restante da orquestra. Esta seção evolui, através de texturas densas e complexas, antes que se restabeleça o clima noturno, à maneira de um poslúdio. É, no entanto, no breve quarto movimento – Intermezzo Interrotto – que ocorre a mais brusca mudança de atmosfera do Concerto. Após uma cantilena nos sopros e uma melodia de intenso lirismo confiada às cordas – inicialmente às violas – irrompe uma citação da Sinfonia Leningrado, de Shostakovich. O contexto em que ocorre a citação, ricamente trabalhada pela orquestra, mas com tons intencionais de ironia e de vulgaridade, torna manifesta uma provável intenção de Bartók em ridicularizar a selvageria nazista. Ao final do movimento, a retomada do lirismo põe fim ao “indesejável” e restabelece o clima inicial. No movimento conclusivo, três seções, de texturas variadas – a segunda, inclusive, um novo fugato – apenas tornam ainda mais manifesta a fonte de força e de vida que brota de um movimento incessante, um perpetuum mobile que domina o cenário com sua energia rítmica. Aqui, o Concerto para orquestra toma seu significado mais imediato. O virtuosismo, cuidadosamente construído ao longo da obra, agora é para todos e está a serviço de uma orquestração rutilante.

 

Oiliam Lanna
Regente e compositor, Doutor em Letras (Análise do Discurso), professor da Escola de Música da UFMG.

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