Sinfonia Fantástica, op. 14

Hector Berlioz

(1830)

Instrumentação: 2 flautas, 2 oboés, 2 clarinetes, 4 fagotes, 4 trompas, 4 trompetes, 3 trombones, 2 tubas, 2 tímpanos, percussão, 2 harpas, cordas.

 

Hector Berlioz é, sem dúvida, uma figura central do Romantismo musical europeu, tanto por sua nova poética quanto pelo mito erguido em torno do autor como gênio romântico, considerado, com justiça, por Théophile Gautier, em sua Histoire du Romantisme, um dos três maiores românticos da França, ao lado de Hugo e Delacroix. Essa visão tem origem com o próprio Berlioz em suas Memórias (1865), uma narrativa poetizada da própria biografia. Relatos inflamados, arroubos de criação artística, insatisfação com o meio artístico que o cercava, paixões e desencontros pessoais devastadores tornam as Memórias um compêndio de cenas dramáticas nas quais a vida real e a visão artística de mundo misturam-se. A visão poetizada revela a aptidão do compositor como importante ensaísta e intelectual de seu tempo, com apreço pelos clássicos antigos, Shakespeare e Goethe. O comprometimento de Berlioz com uma visão poética transborda nas suas óperas (Les Troyens), nas cantatas (La mort de Cléopâtre) e em suas sinfonias (Haroldo na Itália e a Sinfonia Fantástica), expressando um conteúdo dramático-poético revelador das paixões humanas.

 

Nesse sentido, a Sinfonia Fantástica representa uma revolução na história do gênero sinfônico. Partindo da sugestão descritiva beethoveniana da Sinfonia Pastoral (na qual, no entanto, Beethoven anotara: “mais expressão de sentimentos que pintura”), referindo-se sempre às formas clássicas, a Fantástica inspira os poemas sinfônicos de Franz Liszt, cujas formas musicais têm potencial de suscitar imagens, de narrar histórias e até de transmitir conteúdos filosóficos. Nesta Sinfonia, Berlioz utiliza um tema recorrente, a idée fixe, célula musical que percorre ciclicamente toda a composição. Berlioz deu à Fantástica o subtítulo Cenas da vida musical de um artista, sendo seu programa, segundo alguns comentadores, uma autêntica autobiografia romântica. A idée fixe, que representa a imagem obsessiva da amada do herói, seria o elemento condutor da narrativa e reaparece com variações, de acordo com o estado de espírito do sugerido eu-lírico. Berlioz descreve seu plano do drama instrumental em cinco movimentos: Devaneios e Paixões – com uma lenta introdução culminando num Allegro –, em que o herói oscila entre a experiência melancólica e o júbilo da expectativa de encontrar-se com a amada; Um baile, cuja valsa sugere o encontro dos amantes; Cena no campo, que descreve uma noite de verão campestre, na qual a amante reaparece, perturbando a paz almejada pelo herói; Marcha ao cadafalso, que representa o sonho da morte da amada, sugerindo uma procissão lúgubre; Sonho de uma noite de Sabá, em que uma cena fantástica é descrita com sons sobrenaturais, conduzindo para uma dança grotesca no momento do sepultamento da amada.

 

A necessidade de exprimir vários estados conflitantes de espírito influencia a escrita musical desta obra: contrastes de dinâmica e orquestração dos temas expostos possibilitaram um novo universo de ritmos, melodias, harmonias, tendo seu desenvolvimento cíclico pela idée fixe dado um novo rumo ao gênero sinfônico no século XIX.

 

Daniel Salgado da Luz
Musicólogo.

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