Sinfonia nº 1 em dó menor, op. 68

Johannes Brahms

(1855/1876)

Instrumentação: 2 flautas, 2 oboés, 2 clarinetes, 2 fagotes, contrafagote, 4 trompas, 2 trompetes, 3 trombones, tímpanos, cordas.

 

Quando apresentou ao público sua primeira sinfonia, Brahms tinha já 43 anos – fato surpreendente para um compositor que sempre se dedicara exclusivamente à música. Ainda criança, abandonou os estudos escolares para trabalhar com o pai, músico humilde que tocava trompa e contrabaixo em tabernas, concertos ao ar livre e pequenos saraus, muitas vezes em ambientes absolutamente impróprios para a sua idade. Orgulhoso do talento do filho, Jakob Brahms convenceu o notável professor de piano Otto Cossel a aceitá-lo como aluno, sem qualquer remuneração. Como não pudesse dispor de um instrumento em casa, conseguiu que o fabricante Baumgartner o autorizasse a praticar nos pianos de seu estabelecimento. Assim, a partir dos sete anos, Brahms já se dedicava ao aprendizado musical com seriedade e constância. Aos dez anos, seu primeiro concerto público atraiu a atenção de Eduard Marxsen, homem de grande prestígio artístico, excelente professor de piano e teoria. Marxsen incentivou o novo aluno com o estudo metódico dos antigos mestres do contraponto (Lassus, Palestrina, Bach) e a prática dos modelos formais do classicismo vienense (Haydn, Mozart, Beethoven).

 

Por volta de seus vinte anos, Brahms passou a realizar turnês com músicos de renome, entre outros os violinistas Reményi e Joachim, que o levaram até Liszt e Schumann. O generoso Liszt o recebeu com cordialidade, mas Brahms mostrou-se intimidado pelo sofisticado cerimonial em torno do poderoso artista na corte de Weimar e, simplesmente, desconsiderou seu convite para integrar a “nova escola alemã”. Ao contrário, uma amizade inquebrantável se estabeleceu por toda vida entre Brahms e o casal Clara e Robert Schumann. Este o recomendou a seus editores e dedicou-lhe um apaixonado artigo na influente revista que dirigia. Na sequência, outros importantes músicos contemporâneos, como o crítico Hanslick, preocupados com a tradição musical alemã, elegeram Brahms como a figura emblemática do movimento de reação à “música do futuro”, preconizada pelos poemas sinfônicos de Liszt e pelo drama musical wagneriano.

 

Quando, em 1862, Brahms – um homem solitário, com fama de áspero e insociável – fixou-se definitivamente em Viena, o público já o respeitava como o herdeiro de Beethoven e é provável que o receio de uma comparação direta com o legado do grande clássico determinasse a demora da estreia de sua primeira sinfonia. Antes de terminá-la, Brahms acumulara obras de peso, como o Concerto para piano em ré menor, op. 15, as Variações sobre um tema de Haydn, op. 56 e as duas Serenatas op. 11 e op. 16. A partitura da Sinfonia passou por um longo processo de elaboração que se arrastou por mais de vinte anos: foi iniciada em 1854, logo após o encontro de Brahms com Schumann, só sendo retomada e concluída em 1876. E a ansiedade do compositor manteve-se até o final, concretizada nas alterações que fez, de última hora, nos dois movimentos centrais. A espera mostrou-se frutífera – a Primeira Sinfonia de Brahms (como as três seguintes) marca um ponto culminante desse gênero no Romantismo.

 

Logo após a estreia da Primeira, o maestro von Bülow a denominou a Décima, aludindo à continuidade que ela representava em relação às nove sinfonias de Beethoven. Entretanto, Brahms retorquiu com rude desprezo quando um crítico vienense observou que o tema final de sua sinfonia se parecia com o do Coral da Nona: – É verdade; e os estúpidos o percebem mais rapidamente – respondeu. De qualquer modo, a Primeira é uma obra absolutamente pessoal e profundamente unitária na sólida arquitetura de seus quatro movimentos. Evitando a monotonia com absoluta coerência de ideias, Brahms constrói a unidade da obra dosando com inteligência a variedade de recursos e os elementos de contraste, como o uso de tonalidades e compassos diferentes para cada andamento. Quanto à forma cíclica, ela nunca é ostensiva, extraindo de apenas uma célula básica os temas dos diversos movimentos. Seguindo tal princípio, a complexa introdução e o primeiro movimento (Un poco sostenuto – Allegro) já contêm os elementos fundamentais para o desenvolvimento de toda a sinfonia. Os dois andamentos extremos adotam a forma sonata (com introdução e coda) e se apresentam complementares – as tensões e o clima de inquietação criados no primeiro movimento só se resolvem no brilhantismo do último (Adagio – Più andante – Allegro non troppo, ma con brio). Brahms reduz as proporções dos dois movimentos intermediários, conformando-os a uma envergadura menor que a das grandes construções beethovenianas e dando-lhes um caráter mais intimista. O meditativo segundo movimento (Andante sostenuto) traz a estrutura de lied (A-B-A). Na seção central aparece uma bucólica melodia, confiada sucessivamente ao oboé e ao clarinete. O terceiro movimento (Un poco allegretto e grazioso) tem a forma de um scherzo com trio, mas renuncia ao caráter de scherzo humorístico e agitado, tão importante em Beethoven. O encantador tema principal soa como uma melodia entoada por um despreocupado caminhante que passeia pelo campo.

 

Brahms limitou-se à orquestra usada por Beethoven na Nona Sinfonia e conseguiu cores e planos sonoros absolutamente originais que contribuem para realçar os aspectos inovadores dessa monumental obra – suas sutilezas rítmicas, mudanças de acentuação, ruptura da regularidade dos compassos e a genial habilidade em variar os temas com fragmentações e inversões.

 

Paulo Sérgio Malheiros dos Santos
Pianista, Doutor em Letras pela PUC Minas, professor na Universidade do Estado de Minas Gerais, autor do livro Músico, doce músico.

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