Museu da Inconfidência

César GUERRA-PEIXE

(1972)

Instrumentação: piccolo, 2 flautas, 2 oboés, 2 clarinetes, 2 fagotes, 4 trompas, 3 trompetes, 3 trombones, tuba, tímpanos, percussão e cordas.

 

Com apenas nove anos, Guerra-Peixe tocava violino em grupos carnavalescos pelas ruas de Petrópolis. Filho de um bandolinista português de origem cigana, o menino viajou com a família por várias cidades interioranas, sempre participando de conjuntos típicos em festejos folclóricos. Adolescente, estudou violino com Paulina d’Ambrosio e matérias teóricas com Newton Pádua, tornando-se o primeiro aluno a concluir o curso de composição do Conservatório Brasileiro de Música do Rio de Janeiro. Paralelamente, participava de orquestras de salão em cafés e compunha músicas de sabor popular e feição neoclássica.

 

Grande mudança ocorreria em sua carreira quando, aos trinta anos, procurou a orientação de H. J. Koellreutter, mestre responsável pela difusão do dodecafonismo no Brasil. Sob sua influência, Guerra-Peixe assina o manifesto de 1944 do Grupo Música Viva e adota o serialismo para a criação de obras importantes como a Sonatina para flauta e clarinete, o Noneto e a Sinfonia nº 1. Além do evidente aprimoramento técnico de seu ofício, o jovem compositor ganhou, então, prestígio e reconhecimento. A Sinfonia nº 1 foi executada na BBC de Londres e o jovem compositor recebeu convite de Hermann Scherchen (grande incentivador da música contemporânea) para trabalhar como seu aluno de regência em Zurique. Entretanto, os encantos das manifestações folclóricas persistiam no universo sonoro de Guerra-Peixe e ele preferiu trabalhar em uma emissora radiofônica do Recife, iniciando, assim, seu grande projeto de pesquisa do folclore musical brasileiro.

 

Trabalhou por muitos anos como arranjador à frente de orquestras de rádio, de gravadoras e também compôs para a televisão e o cinema. Como professor, dedicou-se principalmente às disciplinas de Orquestração e Composição, com as quais trabalhou, durante toda a década de 1980, na Universidade Federal de Minas Gerais.

 

Minas Gerais está presente na obra de Guerra-Peixe através dos sete poemas de Carlos Drummond de Andrade que ele musicou para voz e orquestra na cantata/cantoria Drummondiana. E em Museu da Inconfidência o compositor revela, sem nenhuma intenção descritiva, sua comoção diante das correntes, lápides e outros objetos que testemunharam a tragédia dos Inconfidentes. Uma grande carga dramática percorre os quatro movimentos da partitura: a Entrada é anunciada pelos trompetes com um toque de modalismo ancestral seguido de ácidas tensões harmônicas. O título do segundo movimento, Cadeira de arruar, refere-se popularmente à liteira usada pelos senhores brancos para saírem às ruas carregados por seus escravos. A música de Guerra-Peixe torna-se maliciosamente irônica, pois os carregadores (cientes de que não eram vistos pelos que iam no interior do veículo) aproveitavam o trajeto para zombar de seus donos. O terceiro movimento, Panteão dos Inconfidentes, retoma o clima trágico, com pesados blocos corais, uma prece fúnebre e o desesperado grito dos heróis condenados. Em Restos de um reinado negro, o movimento final, um estribilho construído sobre um ostinato alterna-se com uma seção marcial propositadamente grotesca e com um belo canto negro entoado pelo fagote. A delicada percussão destaca as particularidades folclóricas do tambor militar e um longo ostinato do bombo. A Coda retoma as frases da Entrada com um brilho metálico de armas e caráter conclusivo.

 

Paulo Sérgio Malheiros dos Santos
Pianista, Doutor em Letras, professor na UEMG, autor dos livros Músico, doce músico e O grão perfumado – Mário de Andrade e a arte do inacabado.

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