Marcha Eslava em si bemol menor, op. 31

Piotr Ilitch TCHAIKOVSKY

Era o fim do verão de 1876 e Tchaikovsky recebia uma encomenda de Nikolay Rubinstein para compor uma obra para um concerto de caridade em ajuda aos soldados russos vítimas da Guerra entre Turquia e Sérvia. Mas aquele não havia sido um verão comum para Tchaikovsky. Deprimido, cansado e melancólico, Tchaikovsky deixou Moscou no início do verão e, buscando um pouco de paz, viajou em direção à França. Passou alguns dias em Vichy, onde conseguiu recuperar sua saúde física e rumou para Lyon, onde encontraria seu irmão Modest. Modest havia se tornado, no início daquele ano, o tutor de um garoto surdo-mudo de sete anos de idade, Kolya Konradi. Quando chegou a Lyon, Tchaikovsky, Modest, Kolya e a governanta partiram para Palavas-les-Flots, um balneário no sul da França.

 

A viagem foi um desastre. A água em Palavas-les-Flots estava contaminada e Modest e a governanta caíram doentes. De repente, Tchaikovsky se via frente à necessidade de cuidar de um garoto de sete anos, surdo-mudo, completamente dependente de sua ajuda. A experiência despertou seu lado paterno. Sua gentileza, atenção e carinho para com o garoto fizeram surgir uma profunda amizade entre os dois. Em poucos dias, a depressão que o atormentara por anos havia desaparecido. Tchaikovsky era um novo homem. Seus instintos paternais levaram-no a considerar, seriamente, pela primeira vez na vida, a possibilidade de se casar e constituir uma família. Segundo suas próprias palavras, só uma bela esposa traria a “garantia de paz e liberdade” que ele tanto almejava. Assim, teve início uma longa série de cartas entre Tchaikovsky e os irmãos, que tentavam, de todo modo, persuadi-lo a desistir da empreitada. Esses fatos culminariam, no ano seguinte, em um dos momentos mais desastrosos da vida de Tchaikovsky: o desfecho de um casamento infeliz que duraria apenas seis semanas e que o levaria a fugir para o balneário suíço de Clarens, para se recuperar de um colapso nervoso.

 

Foi em meio à inquietação da busca pela mulher ideal, que lhe traria paz de espírito e o livraria dos tormentos de sua vida cotidiana, que Nikolay Rubinstein encomendou-lhe a obra para o concerto beneficente em ajuda aos soldados russos feridos na guerra. Apesar de toda aflição, Tchaikovsky encontrou forças para se desligar dos incômodos pelos quais passava e compor uma música forte e brilhante. Seu incrível talento e profissionalismo permitiram-lhe compor e preparar a partitura de uma obra que dura aproximadamente dez minutos, em apenas cinco dias. A Dança Eslava foi composta em outubro de 1876 e estreada em 17 de novembro do mesmo ano, no concerto beneficente de Nikolay Rubinstein. A estreia foi uma sensação. Assim que terminou a execução, a plateia se levantou (muitos subiram nas cadeiras) e, aos gritos de “Bravo! Bravo!”, exigiram uma nova execução. A obra foi imediatamente reprisada e causou a mesma euforia. Ao final, muitos foram vistos deixando o teatro em lágrimas de emoção.

 

Guilherme Nascimento – Doutor em Composição, professor de Música da UEMG e da Fundação de Educação Artística, autor do livro Música menor.

 

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