Messa da Requiem

Giuseppe VERDI

(1874)

Instrumentação: piccolo, 3 flautas, 2 oboés, 2 clarinetes, 4 fagotes, 4 trompas, 8 trompetes, 3 trombones, tuba, tímpanos, percussão, cordas.

Nascido durante as conquistas napoleônicas, Verdi foi registrado como francês, pois sua
aldeia tornara-se então território da França. Alguns meses depois, soldados russos e
austríacos, reocupando a Itália, perpetraram um massacre entre os habitantes do vilarejo
de Le Roncole. O pequeno Giuseppe só escapou da morte porque sua mãe escondeu-se com o menino no campanário da igreja.

 

A música de Verdi, ao longo de sua carreira, apesar de constantes transformações estilísticas, manterá traços vigorosos e personalíssimos que o caracterizarão como músico de seu povo e de seu tempo, sempre associado às lembranças mais orgulhosas da vida nacional. A Itália do Risorgimento (movimento de luta pela independência e unificação do país no período pós-napoleônico) o elegerá como o artista símbolo de seus ideais, aquele cuja estética corresponderia às mais profundas aspirações sociais da nação. O povo italiano, aproveitando habilmente as letras que formavam o nome do compositor, escrevia nos muros das cidades o dístico Viva Verdi, código que todos decifravam como Viva Vitorio Emanuele Re D’Italia.

 

A gênese da Messa da Requiem de Verdi associa-se a outros dois artistas emblemáticos do
nacionalismo italiano – o compositor Gioachino Rossini e o escritor Alessandro Manzoni. Quando Rossini morreu, em 1868, Verdi sugeriu que doze compositores o homenageassem escrevendo um requiem. O projeto foi abandonado pelo comitê organizador, mas Verdi trabalhou a seção que lhe tinha sido reservada, o Libera me conclusivo. Cinco anos depois, morria o poeta Alessandro Manzoni, devotado à causa da independência, autor de romances extremamente populares, com ambientação patriótica, valores cristãos e personagens das classes proletárias. Verdi o admirava particularmente e assumiu, como um ato cívico, a tarefa de finalizar o antigo requiem — desta vez sozinho. Aos poucos, sedimentou a ideia de elaborá-lo nas proporções das importantes realizações do gênero no século XIX, como o Deutsches Requiem de Brahms e o do francês Berlioz. A Messa da Requiem de Verdi foi executada pela primeira vez na Igreja de São Marcos, em Milão, regida pelo próprio compositor, no dia do primeiro aniversário da morte de Manzoni.

 

Diferentemente do escritor homenageado, Verdi se mantinha alheio aos ritos religiosos, embora educado nos princípios do catolicismo. E as críticas negativas de seus opositores foram sintetizadas na célebre frase de Hans von Büllow, afirmando ser o Requiem “uma ópera em paramentos de Igreja”. Entretanto, o próprio Verdi insistia em negar a teatralidade da obra. Para ele, seu poder especial advinha da valorização dos aspectos dramáticos intrínsecos ao texto religioso, onde reinam o terror e a súplica.

 

A Messa da Requiem inclui sete partes de invejável escrita coral e orquestral cujo valor técnico é realçado pela inclusão de duas fugas:

No Introito, a palavra inicial Requiem é sussurrada em notas descendentes. Cria um clima de recolhimento e contrição somente interrompido pelo vigoroso trecho Te decet himnus. As palavras Lux perpetua luceat eis (a luz eterna os ilumine) são evidenciadas por uma tonalidade maior e o Kyrie termina a seção com extrema doçura.

O terrível Dies irae constitui verdadeira explosão sonora. Dez seções se encadeiam ao longo desse trecho notável que consegue manter sua unidade apesar dos intensos contrastes de sentimentos. Os trompetes (Tuba mirum) são posicionados em torno do palco para o chamado implacável do Juízo Final e o volume sonoro atinge um fortissimo impressionante, com a combinação resultante dos metais e do coro.

Entretanto, toda essa tensão se alterna com momentos de sublime lirismo, como o duo das vozes femininas no Recordare. O solo do tenor no Ingemisco talvez seja o trecho mais célebre da obra, e sua incomparável beleza exprime a esperança do pecador arrependido.

Para o Lacrimosa final os quatro solistas se apresentam. O Offertorio possui uma transparência e clareza de escrita impressionantes, ressaltando as entradas alternadas das vozes solistas.

O Sanctus é a seção mais breve da obra e desenvolve com inacreditável vigor rítmico o contraponto da massa coral. Possui a forma de uma dupla fuga, introduzida pelos trompetes que anunciam “Aquele que vem em nome do Senhor”.

As duas vozes femininas iniciam o angelical Agnus Dei. Essa seção, em Dó maior, reinstaura o clima de piedoso recolhimento que se torna um pouco sombrio quando se inicia a segunda estrofe (na repetição da palavra Agnus), com o contraste da tonalidade menor.

Lux aeternae requer a participação da mezzo-soprano, do tenor e do baixo. Possui instigante incerteza tonal e uma orquestração provocativamente sóbria e econômica.

No Libera me a soprano canta o pedido de libertação da morte eterna. Há uma citação da força terrível do Dies irae e uma lembrança sussurrada das palavras do Introito. Uma monumental fuga coral conclui a obra.

Após o Requiem, o compositor, famoso e cansado, retira-se para a calma de sua chácara em Santa Ágata. Parecia o fim de uma carreira gloriosa. Mas, após uma década de silêncio, Verdi surpreende o mundo musical com suas duas últimas óperas, ambas baseadas em Shakespeare: uma tragédia, Otello (1887), e uma ópera cômica, Falstaff (1893). Nelas, o compositor octogenário abandona os procedimentos consagrados de suas óperas anteriores e evolui para um estilo corajosamente inovador. São obras-primas de um velho sábio.

 

Paulo Sérgio Malheiros dos Santos
Pianista, Doutor em Letras, professor da Universidade Estadual de Minas Gerais, autor do livro Músico, doce músico

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