A flauta mágica, K. 620: Abertura

Wolfgang Amadeus MOZART

(1791)

Instrumentação: 2 flautas, 2 oboés, 2 clarinetes, 2 fagotes, 2 trompas, 2 trompetes, tímpanos, cordas.

 

A Abertura K. 384 se inicia sobre um Presto muito vivo, com ritmos contrastantes (mas persistentes), enérgicos, vivos. O clima feérico deve-se muito ao uso espetacular dos instrumentos de sopro e ao arsenal característico das turqueries da época – toda uma falange percussiva (tímpanos em dó e sol, triângulo, pratos, bumbo) evocativa de um Oriente de ópera onde se desenrola a ação. O poético Andante em tom menor, expressão do amor de Belmonte por Constanze, não interrompe o clima de alegria que logo se reinstala, com seu ritmo desenfreado, contagiante até o final.

 

Em novembro de 1790, Mozart concordou em colaborar com um amigo de Salzburgo, Emanuel Schikaneder – ator, cantor, diretor de um teatro popular em Viena –, autor do libreto de A flauta mágica. Nascia assim um Singspiel sublimado, obra máxima, insuperável do gênero. O enredo, mais uma vez ambientado em país exótico, o Egito, combina elementos de conto de fadas, farsa popular, comédia crítica e alusões finamente disfarçadas à maçonaria (como o simbolismo do número três). Para essa ópera em que impera a diversidade, Mozart criou obras-primas variadas – números bufos, árias de ópera séria italiana, motivos populares vienenses, corais luteranos – que, miraculosamente, formam um todo preciosamente coeso e lógico.

 

A Abertura K. 620 constrói-se sobre dois temas principais: em solene Adagio, três acordes ascendentes nos metais (sempre tal número com sua presença simbólica: três damas, três crianças, três portas, três provas…) precedem uma melodia cujo caráter indeciso será repentinamente quebrado pela irrupção, nas cordas, do Allegro fugato, suprema demonstração de perícia contrapontística. Um tema secundário, apresentado pelo oboé e ecoado na flauta, intercala-se ao fugato. Mozart trabalha a alternância dos dois andamentos, os contrastes de dinâmica, a riqueza dos timbres orquestrais e se entrega a jogos contrapontísticos repletos de erudição e espontaneidade. A flauta mágica estreou em Viena, dois meses antes da morte do compositor.

 

Paulo Sérgio Malheiros dos Santos
Pianista, professor da Escola de Música da UEMG

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