O Anel sem Palavras

Richard WAGNER

Compilação de Lorin Maazel da tetralogia O Anel do Nibelungo

(Tetralogia, 1853/1874 | Compilação, 1987)

Instrumentação: 2 piccolos, 3 flautas, 3 oboés, corne inglês, 3 clarinetes, clarone, 3 fagotes, 8 trompas, 4 tubas wagnerianas, 4 trompetes, 4 trombones, tuba, 2 tímpanos, percussão, 2 harpas, cordas.

 

Em 1987, a pedido da Telarc Records, o maestro Lorin Maazel seleciona aqueles que seriam, em sua opinião, os melhores momentos da obra O Anel do Nibelungo, de Richard Wagner. Mais do que uma seleção das mais belas e marcantes passagens do famoso ciclo de óperas, Maazel condensou as dezessete horas do mais laborioso trabalho de Wagner em uma suíte orquestral de 75 minutos. O Anel sem Palavras articula vinte excertos do ciclo, cronologicamente segundo a trama, levando o ouvinte desde os famosos arpejos iniciais que representam a fluidez e constância do rio Reno, em O Ouro do Reno, até o acorde final de O Crepúsculo dos Deuses. Concebida para ser executada ininterruptamente, O Anel sem Palavras apoia-se nos característicos motivos condutores (Leitmotiven), a fim de preencher a ausência do texto e das vozes.

 

Richard Wagner enfrentou inúmeras adversidades em momentos diversos de sua vida, seja em razão do não reconhecimento de seu trabalho musical, seja por seu desajeitado e polêmico envolvimento político. Desse modo, sua inserção no meio operístico deu-se apenas em 1842, quando pôde ter sua ópera Rienzi estreada em Dresden, em 20 de outubro de 1842, após uma temporada de miséria e rejeição em Paris. À estreia seguiu-se a oportunidade de trabalho como mestre de capela em Dresden, cargo que ocuparia até 1849, ano em que se viu obrigado a refugiar-se em Zurique devido a sua participação nas revoltas de 1848 e 1849.

 

Durante os anos em Dresden, dedica-se, entre outras coisas, ao estudo da literatura grega, em especial da tetralogia Oresteia de Ésquilo. Dela Wagner toma de empréstimo, para a composição de O Anel do Nibelungo, o modelo de estruturação e aquele em que se confrontam pares de personagens, bem como o sequenciamento de episódios por meio dos temas da culpa e da maldição e o princípio figural e imagético, origem da ideia de leitmotiv. A tradição artística grega serve ainda como fundamento para sua nova concepção operística, tal como proposta nos ensaios que o compositor publica em Zurique, entre os anos 1849 e 1851.

 

Inspirado no uso que os gregos faziam da música, da poesia e da dança, combinadas em um só gênero artístico, Wagner busca conciliar suas inspirações essencialmente dramáticas e literárias com a tradição sinfônica clássica, na ideia de obra de arte total. O Anel do Nibelungo, como o mais plenamente desenvolvido exemplo desse novo gênero, combina filosofia, história e mitologia com música, drama, poesia e arquitetura, na busca por uma forma máxima de expressão artística. O ciclo implementa ainda outras das inovadoras ideias composicionais dos ensaios de Zurique: a versificação melódica (Versmelodie), ou seja, a construção de melodias a partir de uma rítmica intrínseca ao verso e enquanto desdobramento das aliterações do texto; e os leitmotiven, os temas melódicos que podem ser identificados a personagens, objetos e sentimentos específicos.

 

É durante os anos de Dresden, precisamente em 4 de outubro de 1848, que Wagner esboça o primeiro rascunho de O Anel do Nibelungo, à época ainda sob o título de A morte de Siegfried. Vinte e seis anos de elaboração, experimentação, estudos e anotações seguem-se até que Wagner possa finalizar, em 1874, as quatro óperas, que são estreadas, como ciclo, apenas nos dias 13, 14, 16 e 17 de agosto de 1876, no Festival de Bayreuth, regidas por Hans Richter. Reunindo as óperas O Ouro do Reno, A Valquíria, Siegfried e O Crepúsculo dos Deuses, O Anel do Nibelungo sintetiza em sua trama diferentes textos de tradição nórdica do século XIII, em especial a Saga dos Volsungos, a Saga de Thidrek, que narra a história de Teodorico de Verona, e a Canção dos Nibelungos.

 

O enredo versa sobre o roubo do ouro do Reno pelo nibelungo Alberich, que, renunciando ao amor, forja um poderoso anel e um elmo mágico capazes de derrotar todos e libertar aquele que os possui do jugo dos deuses. Seguem-se então as diversas disputas entre nibelungos, deuses, gigantes, heróis e guíbiches pela posse do anel, tendo como pano de fundo a maldição do anel e o lamento constante das filhas do Reno, guardiãs do ouro mágico. Mais do que uma obra sobre culpa, maldição, opressão, traição ou ganância e poder, O Anel do Nibelungo pode ser visto como uma espécie de panegírico do amor, muito embora de caráter fatalista. Tanto o poder quanto a maldição do anel, resultados da abjuração de Alberich, simbolizam a renúncia ao amor, e tudo o que se segue é, em essência, um emaranhado de formulações sobre o amor: seja ele o amor incestuoso entre os irmãos Siegmund e Sieglinde; ou o amor fracassado de Fricka e Wotan, origem da ganância e da obsessão pelo poder; ou o amor como ilusão e trapaça de Siegfried e Gutrune; ou, finalmente, o amor como sacrifício de Brünnhilde e Siegfried. Em O Anel sem Palavras, Maazel articula os mais dramáticos, bem como os mais apaixonados momentos do ciclo, numa tentativa feliz de sintetizar o que não pode ser sintetizado, assim como faz Wagner, ou qualquer outro, que se disponha a falar de amor.

 

Igor Reyner
Pianista, Mestre em Música pela UFMG, doutorando de Francês no King’s College London e colaborador do ARIAS/Sorbonne Nouvelle Paris 3.

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