O livro dos seres imaginários

Eduardo Guimarães Álvares

(2006)

Instrumentação: Piccolo, 2 flautas, 2 oboés, corne inglês, requinta, 2 clarinetes, clarone, 2 fagotes, 4 trompas, 4 trompetes, 3 trombones, tuba, tímpanos, percussão, celesta, cordas.

 

A música fixou-se logo como a forma dileta de expressão de Eduardo Álvares, bem como o fio condutor de uma proposta estética que tem origem nas artes plásticas e estende-se ao universo da dança, teatro, cinema e literatura. Um projeto igualmente heterogêneo revela-se no campo de suas associações estético-musicais. Como afirma o irmão e pianista Paulo Álvares, “Eduardo era fascinado por compositores que tinham na estrutura molecular de suas linguagens uma heterogeneidade consciente, produtiva, como Messiaen, Debussy, Stravinsky, Ives, Ligeti”.

 

Após graduar-se em Composição pela USP, onde foi aluno de Willy Corrêa de Oliveira e Gilberto Mendes, Álvares assumiu a coordenação dos Ciclos de Música Contemporânea em Belo Horizonte. Ali, coordenou ainda o Festival Articulações e atuou como presidente da Fundação Clóvis Salgado. Em 1996 mudou-se para São Paulo e assumiu a coordenação do XXXIII Festival Música Nova e do Festival Intermídia. Estabeleceu-se mais tarde como diretor da Rádio Cultura FM e da Orquestra Sinfonia Cultura e, em 2005, assumiu o cargo de professor de Composição da EMESP Tom Jobim.

 

Sua vasta produção musical agrupa-se em três períodos. A fase de formação e de experimentação reúne obras de orientação surrealista e dramática, frutos da acumulação do trabalho com massas sonoras e harmonias dissonantes, linguagem serialista e espetáculos cênico-musicais. A segunda fase estende-se de 2001 a 2007, período no qual o compositor reorientou sua produção em direção a um pós-tonalismo mais convencional. A fase final retoma elementos da fase inicial, de caráter experimental, e assimila variações polimodais e tonais, linguagens calcadas no uso de clusters e elementos musicais mais ásperos, dissonantes e dramáticos.

 

A obra O livro dos seres imaginários foi estreada por Paulo Álvares junto à Banda Sinfônica do Estado de São Paulo sob a regência de Dario Sotelo, em agosto de 2006, na versão original para piano e sopros. Foi arranjada para piano e orquestra em razão do concerto da Orquestra Sinfônica de Minas Gerais em homenagem a Álvares, em junho de 2007. Inspirada no livro homônimo de Jorge Luis Borges, trata-se de uma homenagem à música latino-americana primitivista de Villa-Lobos e Revueltas e sinaliza o fim do segundo período composicional de Álvares. Composto em quatro movimentos, o concerto joga com desníveis de linguagem e rejeita o “nacionalismo melódico e sentimental” em favor de uma força selvagem, percussiva e não europeia. O Prelúdio explora materiais neotonais ao estilo de Ligeti num jogo de pergunta e resposta entre os grupos orquestrais. Cadenzas, a despeito de suas passagens improvisatórias, é rigorosamente estruturado a partir de séries dodecafônicas. A Dança do Manticora, única referência explícita a Borges, é o movimento mais violento, no qual uma politonalidade áspera e ritmos explosivos evocam a “dança frenética, monstruosa e grotesca” da figura com rosto de homem, corpo de leão e cauda de escorpião. O Poslúdio, introduzido por uma longa cadência, recapitula o material do Prelúdio. Nas palavras de seu dedicatário e intérprete, Paulo Álvares, O livro dos seres imaginários “retrata o universo poético de Borges em toda sua estranheza, sua violência atávica e magmática, seu primitivismo moderno revisitado e sua aureolada matéria sonora em fusão”.

 

Igor Reyner
Pianista, Mestre em Música pela UFMG, Doutor em Literatura no King’s College London e colaborador do ARIAS/Sorbonne Nouvelle Paris 3.

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