Concerto para violino nº 1 em Ré maior, op. 6

Nicolò Paganini

No ano de 1795 Alessandro Rolla, importante violinista e professor de Roma, estava enfermo em seu leito quando sua mulher veio lhe perguntar se poderia receber um pai com um menino que se interessava em ser seu aluno. Ele então enviou o recado para que voltassem outro dia. Vindos de Gênova quase sem reservas, o pai e o menino não poderiam se dar ao luxo de retornar outro dia e, como último recurso, o pai mandou que o menino pegasse seu violino e começasse a executar uma partitura que se encontrava ali, deixada ao acaso. Era uma composição de Rolla, recém-terminada e de difícil execução. O menino então a tocou à primeira vista, do início ao fim, sem parar e sem cometer nenhum erro. Rolla então perguntou a sua mulher quem estava tocando a sua música, e ela respondeu que era um menino. “Um menino? Impossível!”, exclamou Rolla.

 

Esse pequeno prodígio era Nicolò Paganini, que viria a ser considerado o maior violinista de todos os tempos. Na ocasião do episódio acima, Paganini tinha por volta de treze anos de idade. Em Roma, com Rolla, teria suas primeiras lições de harmonia e contraponto e ainda aprenderia orquestração com o mestre Gaspare Ghiretti. Já no ano seguinte, em 1796, após Rolla declarar que já não tinha mais nada a ensinar-lhe, foi estudar com o famoso compositor de óperas Ferdinando Paer. No período em que esteve com esses mestres, ele também estudou violão, instrumento que dominava tão bem quanto o violino e para o qual comporia várias obras de importante valor musical. Paganini também tocava como ninguém a viola (a Paganini, Berlioz dedicou o concerto para viola Haroldo na Itália, de 1834, que de fato nunca chegou a ser tocado pelo violinista).

 

Embora sempre tenha feito um estrondoso sucesso por onde passou, Paganini demorou a sair da Itália. Isso ocorreu por problemas de saúde que sempre o acompanharam desde a infância e o impediam de empreender grandes viagens. A magia com que tocava a alma das pessoas e sua silhueta esquálida faziam com que muitos acreditassem que Paganini tinha um pacto diabólico. Essa lenda sobre seus dons o acompanhou a vida inteira e até mesmo após sua morte. Seu corpo ficou embalsamado mais de um ano à espera de uma autorização da Igreja para enterrá-lo como cristão.

 

O mito Paganini se consagraria definitivamente na turnê que o violinista empreendeu na Europa entre 1828 até 1834. Ele talvez tenha sido o primeiro músico a realizar o sonho pelo qual Mozart e Beethoven lutaram: de se tornarem músicos e compositores independentes financeiramente e que não precisassem compor para cortes ou igrejas. É provável que Paganini tenha sido também o primeiro superstar da música, arrebatando verdadeiras multidões encantadas com seu talento musical. Seu sucesso era tão impressionante que pôde fazer do seu nome uma verdadeira marca. Quando esteve em Londres, por exemplo, chapéus, canecas, sapatos e qualquer coisa que pudesse ser comercializada ganharam seu nome, como um sinal de excelência. Somando isso aos concertos sempre lotados que realizava e lhe rendiam boas somas, fez uma verdadeira fortuna em vida.

 

Paganini revolucionou a música ao ousar no violino técnicas e frases musicais nunca antes concebidas. Nos seus 24 Caprichos, sua obra mais conhecida, o músico apresenta toda a sua técnica. São novas possibilidades para o instrumento: notas duplas no agudo, staccati, pizzicati com a mão esquerda, harmônicos, glissandos cromáticos. Paganini também desenvolveu de maneira intensa a técnica de se tocar com uma corda só. Costumava transcrever uma melodia executada normalmente nas quatro cordas para apenas a corda Sol, a mais grave do violino. Assim, o grande violinista estendeu a tessitura do instrumento em mais três oitavas e deixou para a posteridade a Fantasia Moses, variações para a corda Sol, com tema de Rossini.

 

Todo o virtuosismo não se justificaria se não tivesse se transformado em música. Um mestre de capela alemão, Carl Guhr, escreveu sobre Paganini em 1830: “Fui muito feliz, quando, por minha passagem a Paris, pude ouvir os maiores mestres franceses, Baillot, Lafont, Beriot, Boucher e muitos outros, e ainda é viva em mim a forte impressão deixada por estes; mas o tocar deles não se diferenciava essencialmente daquele dos outros grandes mestres… Mas com Paganini é diferente, incrível. Ele sabe produzir em seu instrumento efeitos de que até então não fazíamos nenhuma ideia e que não se podem descrever com palavras”. Grandes músicos da época ficaram completamente encantados com Paganini, entre eles Schumann, Schubert, Chopin e Berlioz. Quando Liszt o viu tocar em Paris, em 1831, decidiu consigo mesmo: “Quero tocar piano como Paganini toca violino“. E assim, aquele que viria a ser admirado como um dos maiores pianistas da história ficaria conhecido como “o Paganini” do piano.

 

Poucas obras de Paganini foram editadas em vida. No Concerto para violino nº 1, de edição póstuma – como os demais concertos do compositor –, Paganini se utiliza de uma técnica conhecida como scordatura, que consiste em alterar a afinação original do instrumento. Nessa obra, o violino, que normalmente tem as cordas afinadas em Mi, Lá, Ré e Sol (da mais aguda para a mais grave), é afinado um semitom acima, ou seja, Fá, Si bemol, Mi bemol e Lá bemol. Com essa afinação, fica possível ao violinista tocar, na tonalidade da música, notas próprias à tonalidade de Mi bemol nas cordas soltas, o que facilita muito a formação de acordes e o virtuosismo do instrumentista.

 

Marcos Sarieddine
Graduado em Filosofia e em Composição pela UFMG.

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