Série Brasileira

Alberto NEPOMUCENO

(1891)

Instrumentação: piccolo, 2 flautas, 2 oboés, 2 clarinetes, 2 fagotes, 4 trompas, 3 trompetes, 3 trombones, tuba, tímpanos, percussão, harpa, cordas.

 

Em 1897 Alberto Nepomuceno apresentou, em primeira audição no Brasil, a Sinfonia em sol menor e a Série Brasileira. As peças sinalizavam dois aspectos primordiais de sua produção: a admirável feitura artesanal da Sinfonia refletia a maestria técnica adquirida pelo compositor em longos anos de aprendizado europeu. Já a Série tornou-se um marco inicial para a orientação nacionalista da música brasileira – no Batuque final a percussão inclui um reco-reco, o que enfureceu a crítica mais ortodoxa da época.

 

Duas décadas depois, os críticos modernistas consagravam Nepomuceno como um arauto do nacionalismo musical brasileiro. De fato, o compositor foi dos primeiros a empregar sistematicamente elementos do nosso folclore em suas composições além de empreender uma intensa campanha pelo canto em português, enfrentando a reação crítica violenta dos que consideravam nossa língua imprópria para a canção lírica. No contexto da obra de Nepomuceno, porém, os aspectos nacionalizantes representam apenas uma possibilidade estética entre muitas outras – seus ideais nacionalistas se inspiravam em modelos europeus (na Escola Russa do Grupo dos Cinco e na música de Grieg), constituindo influências tão sugestivas e fascinantes quanto o wagnerismo contemporâneo.

 

Aos 24 anos, Alberto Nepomuceno iniciou seus estudos na Europa. Em Roma, no Liceu Musical Santa Cecília, estudou piano com Giovanni Sgambati e harmonia com Cesare de Sanctis, cujo Tratado de Harmonia enviou a Leopoldo Miguez, para ser adotado no recém-fundado Instituto Nacional de Música do Rio de Janeiro.

 

Em Berlim, foi aluno de composição de Herzogenberg, grande amigo de Johannes Brahms, compositor que Nepomuceno admirava e pôde assistir em concertos vienenses. Na capital austríaca, estudou alta interpretação pianística, quando teve como colega sua futura esposa, a pianista norueguesa Walborg Bang, aluna de Edvard Grieg. A amizade duradoura com esse representante máximo do nacionalismo romântico nórdico reavivou os interesses do compositor cearense pelos estudos folclóricos.

 

A Série Brasileira, em quatro partes, foi escrita em Berlim, aos 27 anos. A primeira, Alvorada na serra, inicia-se com o tema folclórico Sapo Cururu e, na parte central, apresenta um solo de harpa. O Intermédio seguinte é a orquestração do Allegretto do Quarteto nº 3 do compositor, com vivacidade de um scherzo e o ritmo do maxixe. Sesta na rede, verdadeiro acalanto cearense, faz contraste com as partes rítmicas da Série, que termina com o polêmico Batuque.

 

De volta ao Brasil, Nepomuceno imbuiu-se da missão de modernizar o ambiente musical brasileiro, participando efetivamente em diversos setores da cultura nacional. Tinha grande admiração pelo escritor cearense José de Alencar que, em seus romances, buscava uma língua diferenciada do modelo português. Mirando-se no exemplo de Alencar, Nepomuceno compôs uma série de canções em parceria com importantes escritores da época (Coelho Netto, Machado de Assis e Olavo Bilac): “Não tem pátria um povo que não canta em sua língua”, dizia. Ao todo compôs 87 canções, sendo 53 em português (as outras em francês, italiano, alemão e sueco).

 

Dedicou-se ao ensino e foi diretor do Instituto Nacional de Música por duas gestões. Com objetivos didáticos traduziu, em 1916, o Tratado de Harmonia de Schoenberg. Seu notável trabalho como professor foi decisivo para impor seus pontos de vista à crítica e ao público contemporâneos. Entre seus alunos, destacam-se Luciano Gallet e Lorenzo Fernandez.

 

Como maestro da Associação de Concertos Populares, apresentou no Rio de Janeiro, em primeiras audições brasileiras, obras contemporâneas de compositores europeus (como o Prelúdio para “A tarde de um fauno” de Debussy). Na Europa, realizou diversos concertos de música brasileira.

 

Visando a valorização dos compositores nacionais, Alberto Nepomuceno responsabilizou-se pela publicação da obra de jovens talentos; entre outros, Villa-Lobos. Paralelamente, empenhou-se no trabalho de recuperação de obras antigas, sobretudo as do Padre José Maurício Nunes Garcia, cuja Missa Festiva regeu na inauguração da igreja Nossa Senhora da Candelária do Rio de Janeiro.

 

Alberto Nepomuceno faleceu no Rio de Janeiro. Poucos dias antes, Richard Strauss regeu no Teatro Municipal seu prelúdio para O Garatuja, comédia lírica baseada na obra homônima de José de Alencar.

 

Paulo Sérgio Malheiros dos Santos
Pianista, Doutor em Letras, professor na UEMG, autor dos livros Músico, doce músico e O grão perfumado – Mário de Andrade e a arte do inacabado. Apresenta o programa semanal Recitais Brasileiros, pela Rádio Inconfidência.

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