Sinfonia em sol menor

Alberto NEPOMUCENO

(1893/1896)

Instrumentação: piccolo, 2 flautas, 2 oboés, 2 clarinetes, 2 fagotes, 4 trompas, 3 trompetes, 3 trombones, tuba, tímpanos, percussão, cordas.

 

Em agosto de 1897, Alberto Nepomuceno apresentou, em primeira audição no Brasil, a Sinfonia em sol menor e a Série Brasileira. As peças sinalizavam dois aspectos primordiais de sua produção. A admirável feitura artesanal da Sinfonia refletia a maestria técnica adquirida pelo compositor em longos anos de aprendizado europeu. Já a Série, apesar da singeleza de sua orquestração, tornou-se um marco inicial para a orientação nacionalista da música brasileira – no primeiro movimento, intitulado Alvorada na serra, Nepomuceno utiliza o tema folclórico Sapo cururu e, no Batuque final, a percussão inclui um reco-reco, o que enfureceu a crítica mais ortodoxa da época.

 

Duas décadas depois, os críticos modernistas consagravam Alberto Nepomuceno como um arauto do nacionalismo musical brasileiro. De fato, o compositor foi dos primeiros a empregar sistematicamente elementos do nosso folclore em suas composições, além de empreender uma intensa campanha pelo canto em português, enfrentando a reação violenta de críticos que consideravam nossa língua imprópria para a canção lírica. No contexto da obra de Nepomuceno, porém, esses aspectos nacionalizantes representam apenas uma possibilidade estética, entre muitas outras. Mesmo porque seus ideais nacionalistas se inspiravam em modelos europeus (na Escola Russa do Grupo dos Cinco e na música de Grieg), constituindo “novidades” tão sugestivas e fascinantes quanto o wagnerismo.

 

Alberto Nepomuceno passou a infância e a adolescência em Fortaleza e no Recife. Aos dezoito anos, tornou-se o mais jovem diretor de concertos do Clube Carlos Gomes, em Pernambuco. Em 1885, fez sua estreia como pianista no Rio de Janeiro e tornou-se professor do instrumento no Clube Beethoven, associação pioneira no incentivo à criação e ao cultivo dos gêneros instrumentais de câmara no Brasil.

 

Em 1888, Nepomuceno iniciou seus estudos na Europa. Em Roma, no Liceu Musical Santa Cecília, estudou piano com Giovanni Sgambati e harmonia com Cesare de Sanctis, cujo Tratado de harmonia enviou a Leopoldo Miguez, para ser adotado no recém-fundado Instituto Nacional de Música do Rio de Janeiro.

 

Em Berlim, na Escola Superior de Música, foi aluno de Composição de Herzogenberg, grande amigo de Johannes Brahms, compositor que Nepomuceno admirava e pôde assistir em concertos vienenses. Na capital austríaca, estudou alta interpretação pianística e teve como colega sua futura esposa, a pianista norueguesa Walborg Bang, aluna de Edvard Grieg. A amizade duradoura com Grieg, representante máximo do nacionalismo romântico nórdico, reavivou os interesses do compositor cearense pelos estudos folclóricos.

 

De volta ao Brasil, Nepomuceno empreendeu intensa campanha em favor do emprego do idioma nacional no canto erudito e compôs uma série de canções em parceria com importantes escritores da época (Coelho Netto, Machado de Assis e Olavo Bilac).

 

Alberto Nepomuceno dedicou-se também ao ensino e foi diretor do Instituto Nacional de Música por duas gestões (entre seus alunos, destacam-se Luciano Gallet e Lorenzo Fernandez). Na mesma instituição, lecionou órgão, instrumento em que se aperfeiçoara com grandes mestres alemães, franceses, austríacos e noruegueses. Com objetivos didáticos traduziu, em 1916, o Tratado de Harmonia de Schoenberg.

 

Como maestro da Associação de Concertos Populares, apresentou no Rio de Janeiro, em primeiras audições brasileiras, obras contemporâneas de compositores europeus (como o Prelúdio para “A tarde de um fauno”, de Debussy). Na Europa, realizou concertos de música brasileira.

 

Visando à valorização dos compositores nacionais, Alberto Nepomuceno responsabilizou-se pela publicação da obra de jovens talentos, entre outros Villa-Lobos. Paralelamente, empenhou-se no trabalho de recuperação de obras antigas, sobretudo as do Padre José Maurício Nunes Garcia, cuja Missa festiva regeu na inauguração da igreja Nossa Senhora da Candelária do Rio de Janeiro.

 

A Sinfonia em sol menor de Nepomuceno é, ao lado da Sinfonia op. 43 de H. Oswald, a única obra do gênero no Romantismo brasileiro. Foi composta em Berlim e revela a influência direta de Brahms (principalmente no primeiro movimento), de Wagner e de Tchaikovsky. Essas influências mostram um compositor atento à música de seus ídolos e sintonizado com sua época. Entretanto, a peça é bastante original e, como observa Edino Krieger, deveria figurar habitualmente entre as obras-primas do sinfonismo romântico. Conceituados compositores e críticos a consideram a sinfonia mais importante escrita por um músico americano no século XIX. (Curiosamente, ela é contemporânea à Sinfonia do Novo Mundo, encomendada pelos norte-americanos ao tcheco Antonín Dvorák).

 

Alberto Nepomuceno faleceu no Rio de Janeiro. Poucos dias antes, Richard Strauss regeu no Teatro Municipal o prelúdio de O Garatuja, comédia lírica baseada na obra homônima de José de Alencar, à qual o compositor cearense dedicara muitos anos de seu trabalho.

 

Paulo Sérgio Malheiros dos Santos
Pianista, Doutor em Letras, professor na UEMG, autor dos livros Músico, doce músico e O grão perfumado – Mário de Andrade e a arte do inacabado.

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