Sinfonia nº 1

Henri DUTILLEUX

(1951)

Instrumentação: 3 piccolos, 3 flautas, 2 oboés, corne inglês, 2 clarinetes, clarone, 2 fagotes, contrafagote, 4 trompas, 3 trompetes, 3 trombones, tuba, tímpanos, percussão, piano, celesta, harpa, cordas.

 

Mistério do instanteA Árvore dos Sonhos… Os títulos de obras de Dutilleux parecem dizer muito mais de sua música que abordagens analíticas. Diga-se de passagem, o compositor quase sempre se mostrou refratário a falar da estruturação composicional de suas obras. Para ele, são essenciais a captura do momento, do tempo que corre de modo inexorável, a expressão das vicissitudes do mundo que o rodeia, o mergulho no universo onírico, o prazer do som, a expressão da magia e do encantamento… Referindo-se ao percurso de sua Primeira Sinfonia, Dutilleux observa que essa música “emerge do silêncio” e, após atingir um ponto culminante, de força e massa orquestral, “retorna ao silêncio”. De fato, podemos constatar que a concepção de percurso já se apresenta claramente delineada no movimento inicial. O ouvinte pode seguir os passos do tema da Passacaille, exposto pelas cordas graves, tema condutor de cada variação, em um longo caminho que, a todo momento, surpreende pelas invenções tímbricas, pelos contrastes de materiais que continuamente se renovam. No Scherzo, após a expectativa provocada por uma breve introdução, o movimento é dominado por um perpetuum mobile, no qual somos envoltos pela trepidação rítmica e pela orquestração cheia de energia, brilho e de colorido. O Intermezzo valoriza o cantabile da orquestra, particularmente das cordas agudas, em uma textura de imagens complexas – há um primeiro plano, mas apenas como parte de uma rica perspectiva, onde cada timbre, cada fragmento melódico, cada detalhe conta. O Finale, em forma de variações, é uma consequência coerente com o princípio de não repetição que norteia a Primeira Sinfonia. O movimento se inicia com uma orquestração em tutti, um longo cortejo de acordes nos registros médio e agudo, dialogando com uma sequência de notas graves. Materiais temáticos, ao longo das variações, remetem à atmosfera do cantabile, à vivacidade rítmica do movimento em scherzo, como em uma espiral que jamais retorna ao mesmo ponto, mas segue seu caminho, expandindo-se. Mas o crescendo rítmico-dinâmico atinge o limite a partir do qual a energia se dissipará e reconduzirá a obra, pausadamente, a uma atmosfera de sombras e de mistérios.

 

Ao revisitar a Sinfonia, Dutilleux o faz com um espírito renovador, não apenas pela forma como a inicia, mas também pela recusa ao bitematismo tão caro à produção sinfônica clássico-romântica e pelo evitamento sistemático de repetições de temas e de seções. É uma atitude de diálogo, que integra, mas que contém elementos de recusa e de renovação, como também ocorre com as vozes de compositores que Dutilleux deixa entrever em sua obra – Stravinsky, Ravel, Debussy, Bartók –, vozes às quais o compositor responde de modo único, que singulariza cada obra sua, concebida após longa e cuidada gestação.

 

Sinfonia nº 1… Título que não faz remissão ao enigma, à face poética, invisível, de uma peça que se integra naturalmente ao conjunto da produção de Dutilleux, como parte indissociável dessa árvore para a qual os sonhos e a imaginação constituem seivas vitais, alimentos para uma inspiração inesgotável.

 

Oiliam Lanna
Compositor, professor da Escola de Música da Universidade Federal de Minas Gerais.

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