Variações Enigma, op. 36

Edward ELGAR

(1899)

 

Instrumentação: Piccolo, 2 flautas, 2 oboés, 2 clarinetes, 2 fagotes, contrafagote, 4 trompas, 3 trompetes, 3 trombones, tuba, tímpanos, percussão, órgão (ad lib.), cordas

 

Edward Elgar viveu apenas dois anos em Londres, tentando formar-se como compositor. A falta de oportunidades para um músico do interior o obrigou a retornar ao condado de Worcester, onde nascera, e onde faria quase toda a carreira, tocando piano e violino e regendo pequenas bandas locais. Apesar das dificuldades, Elgar foi considerado, em vida, o principal compositor inglês do início do século XX. Sua obra recolocaria a Inglaterra no cenário musical internacional e abriria caminho para a geração seguinte, de Vaughan Williams e Gustav Holst.

 

Elgar compôs sua primeira grande obra aos quarenta e dois anos de idade: as Variações Enigma. Uma noite, ao dedilhar o piano descompromissadamente, sua esposa o interrompeu, pedindo que repetisse a música que acabara de tocar. Elgar logo percebeu que havia criado uma bela melodia, e começou a brincar ao piano, alterando o tema da maneira como seus amigos o teriam feito, se fossem músicos. Nasciam ali as Variações para Orquestra, obra que consiste de um tema e quatorze variações, cada uma representando as características íntimas de um amigo do compositor.

 

A obra inicia-se com o tema, bela melodia confiada principalmente às cordas. A primeira variação, dedicada à sua esposa, é um prolongamento delicado e romântico do tema. A segunda, com rápidos movimentos das cordas, revela as características brincalhonas do amigo Steuart-Powell. Na terceira, o oboé e o pizzicato das cordas ajudam a representar a buzina da bicicleta de Baxter Townshend. A quarta variação, dedicada a um proprietário de terras local, é forte e pomposa. Na quinta, a alternância entre triste e alegre representa as oscilações de humor do amigo Penrose Arnold, filho do poeta Matthew Arnold. Na sexta, a viola sola representa um papel especial, uma vez que é dedicada a Isabel Fitton, estudante de viola. A sétima, dedicada ao arquiteto Troyte Griffith, é extremamente enérgica. A leveza da oitava variação remete aos momentos prazerosos que Elgar passou na bela casa de Winifred Norbury. A nona, “Nemrod”, a mais profunda de todas, é dedicada ao amigo August Jäger, apoio de Elgar nos momentos difíceis (Nemrod – fabuloso rei bíblico, é descrito como poderoso caçador; Jäger significa “caçador” em alemão). A décima variação, extremamente delicada, homenageia a amiga e biógrafa Dora Penny. A décima primeira, uma das mais animadas, é dedicada ao amigo, organista Robertson Sinclair. Na décima segunda, dedicada ao violoncelista Basil Nevinson, os violoncelos dominam a cena. A décima terceira, dedicada à amiga Lady Mary Lygon, guarda lembranças da primeira variação, principalmente na doçura do caráter. A décima quarta variação, dedicada ao próprio compositor, fecha o ciclo majestosamente.

 

Terminadas em fevereiro de 1899, as Variações para Orquestra foram estreadas em junho desse ano, no St. James’s Hall, em Londres, sob a regência de Hans Richter. Elgar revisou a obra em 12 de julho, estendendo o final a fim de criar uma forma mais simétrica. A nova peça recebeu o título de Variações Enigma graças a uma carta de Elgar, logo após a estreia, dizendo que havia um segundo tema, misterioso, que perpassava todas as variações, não perceptível a ninguém. “O enigma”, disse o compositor, “eu não explicarei”. Esse tema, escondido nas profundezas do tecido musical, deu início a inúmeras especulações. Até hoje, o enigma não foi solucionado.

 

Guilherme Nascimento
Compositor, Doutor em Música pela Unicamp, professor na Escola de Música da UEMG, autor dos livros Os sapatos floridos não voam e Música menor

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