|    22 abr 2020

Maestro indica: a “Sinfonia Fantástica” de Berlioz

A imaginação que une Berlioz e Bernstein

BERLIOZ | Sinfonia Fantástica, op. 14

A imaginação que une Berlioz e Bernstein

Por Fabio Mechetti

Alguns dos grandes gênios da música foram expoentes máximos de uma época, de seus costumes, de suas estéticas e valores históricos. Outros foram revolucionários, que romperam com cânones passados e apontaram para uma outra proposta, muitas vezes não aceitas na época, mas com força suficiente para abrirem portas para o futuro. Um desses “rebeldes” foi o francês Hector Berlioz. Berlioz nasceu em 1803, ou seja, poucos anos depois da morte de Mozart, quando Beethoven, Haydn e Schubert ainda estavam vivos. Mas, quando escutamos sua música, parece que ele é produto de gerações de muitas décadas posteriores. É difícil encontrar, não só em música como em outras artes, exemplo de alguém que tenha encontrado uma linguagem tão mais moderna do que aquela de sua época, alguém que realmente pensasse fora da caixa.

Aos 27 anos de idade, praticamente um desconhecido no meio musical europeu, sem um rol significativo de obras anteriores em que pudesse realmente desenvolver uma técnica apurada de teorias básicas de harmonia, contraponto, morfologia e instrumentação, Berlioz escreve sua Sinfonia Fantástica, apenas alguns anos após a morte de Beethoven e da própria Nona Sinfonia (que em si já havia quebrado paradigmas de toda a sorte). Essa Sinfonia é “fantástica” em quase tudo o que podemos imaginar. Primeiramente, em seu caráter autobiográfico. Talvez esta seja, na história, a primeira sinfonia em que um compositor se expõe tão abertamente. Em seus cinco movimentos (característica que tem a Sinfonia Pastoral de Beethoven como único antecedente), Berlioz expressa suas paixões, desejos, frustrações, refúgios, desespero, incluindo até alucinações promovidas pelo uso de ópio. Isso depois de uma era em que a sociedade e a arte por ela criada haviam sido influenciadas pela ideia do racionalismo e a busca de organização interna e externa.

Aqui também é a primeira vez em que uma sinfonia inteira é “amarrada” pelo uso de um tema condutor (ideia fixa) que define e transforma cada movimento, dependendo da “estória” a ser contada musicalmente. A paleta orquestral de Berlioz é vastamente mais diversificada do que qualquer compositor anterior (e poucos posteriores) a ele. Pela primeira vez encontramos numa sinfonia o uso de requinta, corne inglês com participação marcante, duas tubas, oito tímpanos tocados por quatro timpanistas, duas harpas, campanas e vários outros instrumentos de percussão, todos aqui utilizados de maneira brilhante e inusitada para ilustrar essa autobiografia musical.

Enfim, essa sinfonia é sem dúvida uma das grandes obras-primas não só em música, mas em todas as artes, pela sua originalidade, individualidade e influência nas gerações de compositores que se seguiram.

Nas mãos de um regente que também é sinônimo de individualidade, espontaneidade e imaginação, ao lado de uma orquestra que representa toda uma tradição da música francesa, o resultado é excepcional. Assim, escolhi como exemplo de obra-prima em execução a versão de Leonard Bernstein com a Orquestra Nacional da França.

Leia mais: nota de programa desta sinfonia, escrita pelo musicólogo Daniel Salgado da Luz.

A imagem que ilustra este post é uma fotografia de Pierre Petit Photographie (Bibliothèque nationale de France – Gallica).

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