Sinfonia nº 5 em mi menor, op. 64

Piotr Ilitch TCHAIKOVSKY

(1888)

Instrumentação: piccolo, 3 flautas, 2 oboés, 2 clarinetes, 2 fagotes, 4 trompas, 2 trompetes, 3 trombones, tuba, tímpanos e cordas.

 

“É russo como um personagem de Tchekov”. Assim Roland de Candé, que nunca se furta a criar frases de efeito, define Tchaikovsky. Se a analogia é possível, pode-se dizer realmente que a música de Tchaikovsky insere a Escola Russa numa perspectiva universal. Quando muitas vezes ele busca certos recursos no folclore, seja em material sonoro, seja em motes mesmo extramusicais, para alavancar seu processo criador, ele não se obriga a modalizar certas escalas ou harmonias para pintar de exotismos eslavos a sua música, à maneira de um Mussorgsky ou de um Rimsky-Korsakov, que lhe são contemporâneos. Assimilando bem a tradição musical clássica, seja em técnicas de composição, seja em elaborações formais, Tchaikovsky assume, por outro lado, uma postura romântica de sublimação, através da música, de angústias e estados psicológicos conflituosos. Assim, insere-se sem muito problema na corrente musical europeia do século XIX. Se sua música é russa, é, paradoxalmente, também universal, assim como os contos e as peças de teatro de Tchekov.

 

Tchaikovsky se insere na Escola Russa, portanto, como um nome diferenciado: pertencendo à mesma geração do Grupo dos Cinco, ele não adere nem à corrente nacionalista, nem à tradição conservadora. No entanto, não se pode dizer que ele ou sua arte sejam alienados das novas proposições estéticas em que seus contemporâneos se empenham. Não lhe agradam, por exemplo, as investidas inovadoras de Mussorgsky que, no entanto, não lhe deixam de causar admiração: “Apesar de todos os horrores de que é capaz, ele (Mussorgsky) fala uma língua nova. Não é uma bela língua, mas é virgem” (citado por Roland de Candé, História Universal da Música. Martins Fontes, 1994).

 

A despeito de suas turnês triunfais pela Europa e pelos Estados Unidos, sua música não parece ter causado impactos maiores, ao contrário da música dos Cinco, que, quando executada na Exposição Universal de Paris em 1889, assombra e entusiasma os jovens compositores franceses, dentre eles Debussy.

 

Na Rússia, porém, a obra de Tchaikovsky é decisiva e torna-se referência para as gerações que o sucederam, desde compositores ultrarromânticos, como Rachmaninov, até, em certo sentido, Prokofiev e mesmo Stravinsky, numa fase posterior à Sagração.

 

Tchaikovsky é conhecido, pelo grande público, principalmente por suas obras para balé, que lhe valeram divergências de opinião: de um lado o desprezo por uma espécie de sentimentalismo aliciador, ainda que cativante, e, de outro lado, excessiva admiração. Os diferentes aspectos de sua obra, porém, a fazem manter-se sólida diante das intempéries da opinião ou da crítica. São inúmeras obras para piano, dez óperas, várias composições para música de câmara, numerosas canções, três concertos para piano e orquestra, um concerto para violino, outras tantas aberturas sinfônicas. No entanto, é nas suas seis sinfonias (considerando-se Manfredo uma obra à parte) que o gênio de Tchaikovsky se exprime melhor.

 

Compostas ao longo da sua vida (a primeira delas foi escrita quando o compositor contava vinte e seis anos e a última, no ano de sua morte), elas expressam sinteticamente vários aspectos do percurso da sua carreira como compositor, desde o dilema entre o nacionalismo e a universalidade, até sua própria procura por um caminho pessoal de expressão artística dentro do universo romântico.

 

A Quinta Sinfonia, em mi menor, op. 64 foi composta entre maio e agosto de 1888 e estreada em novembro do mesmo ano, em São Petesburgo, sob a regência do próprio Tchaikovsky. Ela e a Quarta Sinfonia dialogam em termos de concepção estrutural: em ambas há um tema principal recorrente que alinhava a obra conferindo-lhe unidade. Esta forma cíclica, por assim dizer, não constituía exatamente uma novidade na História da Música, mas foi largamente abraçada por compositores do final do Romantismo, em parte como artifício para reelaborar o trabalho com a forma sonata. Ao contrário da Quarta Sinfonia, porém, esse tema recorrente é ouvido em todos os quatro movimentos da Quinta, recurso já utilizado na Sinfonia Manfredo, composta entre uma e outra.

 

Na Quinta Sinfonia, se isso for realmente possível em Tchaikovsky, a presença do elemento russo é evidente. Não se trata, porém, de citações ou releituras de material melódico da música tradicional russa, mas de uma filtragem e apropriação desse material, estilizado ao máximo no seio de uma linguagem romântica genuína e, por fim, transmutado em elaborações melódicas originais e próprias do compositor, que nunca ousa explorá-lo com excessos patrioteiros. No entanto, paradoxalmente, o segundo movimento – com seu célebre solo de trompa – apresenta um Tchaikovsky de inventividade livre e plena, inclusive nas técnicas de orquestração.

 

A crítica não recebeu com unanimidade a Quinta Sinfonia. Na própria Rússia e até na América do Norte ressalvas foram levantadas, principalmente quanto à parte final da obra. A despeito disso, ela é hoje uma das obras mais aclamadas desse artista que trouxe a música russa para o universo dos grandes patrimônios da Humanidade.

 

Moacyr Laterza Filho
Pianista e cravista, Doutor em Literaturas de Língua Portuguesa, professor da Universidade do Estado de Minas Gerais e da Fundação de Educação Artística.

anterior próximo